domingo, 31 de julho de 2016

Adeus mais uma vez

No dia 05 de março de 2006, publiquei um texto na comunidade do orkut da Rádio Cidade chamado ‘Desabafo de um ouvinte’. Aquele domingo marcou o fim da primeira fase da Rádio Cidade. O orkut estava no auge e os ouvintes utilizaram a rede social para expressar os mais diversos sentimentos. O meu texto foi o tópico mais movimentado da comunidade da rádio naquela noite, foram centenas de comentários de ouvintes e funcionários, alguns que eu nem conhecia pessoalmente, mas que, a partir daquele dia, me adicionaram e se tornaram meus amigos. É o caso do Sérgio Bitenka, que naquele dia fez uma das despedidas mais emocionantes da história do rádio brasileiro.
Como ele trabalhava no primeiro horário, nunca havia o encontrado durante as minhas visitas à rádio. Um ano depois, nos tornamos amigos ao ponto de nos encontramos para beber chopp e jogar conversa fora. Foi ele quem me apresentou ao diretor da Escola de Rádio, Ruy Jobim (este fato mudou o rumo da minha vida). Depois que terminei o curso de locução básica na Escola de Rádio, o Sergio me indicou para fazer um teste para vaga de locutor na também extinta Multishow FM. Tudo isso por causa do ‘Desabafo de um ouvinte’. Foi a primeira vez que alguém disse que havia chorado lendo algo escrito por mim.
Hoje também é domingo, dia 31 de julho de 2016, um pouco mais de 10 anos depois, escrevo novamente pelo mesmo motivo.
O rádio sempre esteve presente em meu lar. Minha mãe era ouvinte da 98 FM - É Só Sucesso, não perdia um programa do Heleno Rotay. Meu saudoso pai era fanático pelo Flamengo e não perdia um jogo do Futebol Show da Rádio Globo. Na casa dos meus padrinhos, também só dava Rádio Globo. O Haroldo de Andrade fazia-se presente em todas as manhãs que passei com o tio Aureo e a tia Rosa. 
Cresci na vila onde surgiu o Piu-Piu & Sua Banda, uma das principais bandas do cenário do rock independente do Rio de Janeiro, na década de 1990. O local era frequentado pelos principais músicos da 'Geração Garage'. É claro que o rock seria o meu estilo musical favorito.
Por causa disso, numa tarde de 1996, aos 12 anos de idade, resolvi ligar o rádio-relógio do meu quarto, que até então só servia para não me deixar ir atrasado para o colégio. Fui passeando pelo dial e encontrei a Rádio Cidade. Na época, a Monika Venerabile era a principal locutora da emissora e o programa apresentado por ela, o Cidade do Rock, era o carro chefe da rádio e tocava músicas inimagináveis para os dias de hoje, como ´Tora Tora´ do Raimundos. Como sempre fui politicamente incorreto, a Cidade me conquistou logo de cara. O pós-grunge estava no auge com diversas bandas, muitas delas ficaram no 'one hit wonder', como o Spacehog, Deep Blue Something, Dishwalla, The Nixons, entre outras. Também fazia muito sucesso uma nova geração do britpop com The Verve, Oasis e Blur. O punk rock tinha destaque na programação com Green Day e Offspring. No rock brazuca, era o momento do Raimundos, Planet Hemp e o Rappa. Além de tudo isso, havia espaço para bandas independentes no horário nobre da emissora. A emoção de ouvir os meus amigos do Piu Piu & Sua Banda tocando pela primeira vez no principal programa da rádio foi indescritível.
Comecei a ligar para a rádio pedindo música todos os dias. A voz inconfundível de um garoto chegando à puberdade fez com que o atendente da rádio (acho que o nome dele era Flávio) já me atendesse com 'oi, Renato' logo após o meu 'alô'. Como foi a fase mais rock da rádio em questão de programação musical e de atitude dos locutores no ar, não era normal ter ouvintes de 12 anos de idade, e logo ganhei o título de ouvinte mais jovem da rádio. 
No dia 11 de junho de 1996, enquanto eu assistia na TV Record as imagens da explosão na praça de alimentação de um shopping em Osasco, ouvia na Rádio Cidade a estreia de um programa chamado InterCidade, apresentado pelo locutor Renato Bruno. Quando liguei para pedir uma música, o atendente fez o convite: “todo mundo da rádio quer te conhecer, vem amanhã participar do programa ao vivo no estúdio”.
Lá fui eu acompanhado pela minha mãe e minha irmã ao sétimo andar do famoso prédio da Avenida Brasil, número 500. Que tarde fantástica! Todos os funcionários da rádio me trataram muito bem. Entrei em um estúdio de rádio pela primeira vez e participei do programa ao vivo entrevistando a produtora Viviane Branco. A Vivi produzia o programa SexCidade, que era apresentado pela Adriana Riemer e tinha a participação de uma sexóloga. Eu nem beijava na boca, mas já sabia tudo sobre sexo. O programa ia ao ar de segunda a sexta, às 09h da manhã, outro fato inimaginável nos dias de hoje.
Que me perdoem as minhas ex-namoradas, mas aquela tarde é a lembrança mais marcante que tenho de um dia dos namorados. Chegava do colégio e já ligava o rádio na Cidade. O locutor que fazia o horário do almoço era o Luciano Oliva, hoje na Jovem Pan de São Paulo.
A Rádio Cidade havia se tornado a minha principal companhia, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Em 1999, a emissora passou por uma crise de identidade, deixando o rock de lado, até axé chegou a tocar. Mas em 2000, a parceria com a 89 FM – A Rádio Rock de São Paulo, deu um gás novo para a Rádio Cidade. A formação da Rede Rock de Rádio beneficiou bastante a emissora carioca, que logo de cara foi a rádio oficial do Rock in Rio 3, em janeiro de 2001. 
Foi a partir de 2001, que comecei a sonhar em ser locutor de rádio. Na minha opinião, a equipe de locutores da Rádio Cidade em 2001/2002 foi a melhor do dial FM do Rio nos últimos 20 anos: Serginho Bitenka, Rodolfo Becker, Demmy Morales, Rhoodes Lima, Débora Santos, Edu Fontes e o jovem Ronan Tardin. Nos anos seguintes, aconteceram mudanças apenas no horário noturno e nos fins de semana. Zeca Lima, Casé, Fabiano, Carlos Alberto e Carla Machado também integraram a equipe de locutores da Cidade – A Rádio Rock entre 2003 e 2006.
Eu admirava todos os locutores da equipe 2001/2002, mas o Rhoodes era o meu ídolo na locução. Sempre foi a minha maior referência como locutor de rádio musical. Além da voz potente e da locução precisa, ele é perspicaz e irônico no tom ideal. Os ouvintes tentavam sacaneá-lo no ar, mas o pensamento dele estava sempre um passo a frente, o que deixava os ouvintes sem reação. O Rhoodes ingressou na Cidade em 1997, mas só se tornou o principal locutor da emissora após a saída da Monika Venerabile, em 1999. Quando eu treinava locução na minha rádio imaginária, as trocas de horário sempre eram com o Rhoodes. Ele apresentava o programa Hora dos Perdidos, do qual novamente virei figurinha carimbada. Quando algum ouvinte caía em cima da hora, me ligavam para participar. Acabei me tornando amigo dos três co-apresentadores que passaram pelo programa: Claudio BB (BB Monstro), Camille e Paulinho (Calça-Frouxa, Rabugentos, Coruja)
Quando ingressei como estagiário no Sistema Globo de Rádio, em fevereiro de 2013, o Rhoodes era locutor da Beat98. Fui ao estúdio da Beat, dei um abraço nele e agradeci: “se estou aqui hoje, você é um dos responsáveis por isso”. 
Outro fato marcante da época Cidade – A Rádio Rock (2001 – 2006), foi a interatividade entre ouvintes e funcionários da rádio pelo chat no site da emissora. Era como um Bate-Papo Uol, mas só de ouvintes da rádio. Eu e mais dois ouvintes organizamos o primeiro encontro do Chat Cidade. Foi um sucesso e contou com a participação do Webmaster da rádio, Marcio Norris. O grupo não parava de crescer, e a cada show ou encontro marcado, dezenas de novos frequentadores apareciam. Mas chegou um momento em que o que havia começado como um grupo heterogêneo, estava dividido em vários subgrupos, causando rixas, brigas e muita intriga. Durante algum tempo assumi o papel de líder da ala mais tradicional (leia-se careta), mas depois cansei da confusão e abandonei de vez o “projeto” que idealizei. Mas no fim das contas o saldo foi positivo: jovens com o mesmo gosto musical curtindo shows, paquerando, compartilhando experiências... Vários casais estão juntos até hoje e algumas crianças vieram ao mundo por causa do Chat Cidade. Até hoje tenho pelo menos 5 amigos que conheci nessa época e volta e meia nos encontramos. 
Os boatos do fim da rádio começaram no início de fevereiro de 2006, mas a confirmação só veio na segunda quinzena daquele mês: a Rádio Cidade iria acabar no início do mês seguinte.
Foi uma bomba, tanto para os ouvintes, quanto para o mercado do rádio carioca. Não queria acreditar que perderia a companhia de todos os momentos. A Rádio Cidade foi a trilha sonora de saídas com amigos, confraternizações, paixões, dos momentos bons e também dos ruins. 
A equação é simples: alugar o dial dá muito mais lucro do que manter uma rádio.
Nem havia ingressado profissionalmente no rádio e já sabia que nunca realizaria o sonho de anunciar minhas músicas preferidas ou de trocar de horário com os profissionais que me inspiraram. O dia 05 de março de 2005 foi, sem dúvida, um dos mais tristes da minha juventude. Chorei de soluçar quando o Serginho se despediu dos ouvintes e fez a passagem de horário com o Demmy Morales, às 20h. 
Uma parte importante da minha vida também chegava ao fim.
Não desisti do rádio, só mudei a função que queria exercer nele. Resgatei lembranças dos meus tempos de criança ouvindo Haroldo de Andrade com meus padrinhos ou os jogos do Flamengo com o papai. Queria ser repórter da Rádio Globo, a outra rádio que marcou a minha vida. O desejo era trabalhar no Amarelinho, como o Alberto Brandão, que eu tentava imitar sempre depois que ele entrava no ar nas transmissões esportivas. Meu pai achava um barato. Abandonei a faculdade de Publicidade e Propaganda e investi em cursos na Escola de Rádio. Logo depois, comecei a cursar faculdade de Jornalismo. O Ruy Jobim me disse uma vez: “Se você quiser de verdade, você vai conseguir!” Ele tinha razão. Realizo este sonho todos os dias desde fevereiro de 2013.
Mas o que ninguém poderia imaginar, aconteceu: a Rádio Cidade voltou! 
O retorno foi em 10 de março de 2014. Um dia qualquer, né? Não. Foi o dia em que completei 30 anos de idade. Belo presente! Minha relação com a Rádio Cidade já não era a mesma, pois o sonho de ser locutor da rádio ficou no passado. Mas era ótimo saber que poderia ligar o rádio e escutar minhas músicas preferidas ou ouvir novamente profissionais que foram muito importantes na minha formação como radialista. Tive o privilégio de trabalhar com alguns deles na Rádio Globo ou de conhecer melhor outros. Foi o caso do famoso redator e produtor Julio Psicopata, que hoje em dia é o meu grande amigo Julio Barbosa. Voltei a frequentar a rádio, não mais como ouvinte, e sim como alguém que queria matar saudade de amigos. 
Torci muito pelo sucesso da nova fase da Rádio Cidade, pois era formada por gente do bem, talentosa e que tinha prazer no que fazia. 
Surpreendentemente, no último dia 21, foi feito o anúncio que novamente a rádio acabaria. Praticamente todos os funcionários foram demitidos no mesmo dia. Fiquei muito triste, nem dormi direito naquela noite, pois desta vez não seriam apenas os meus ídolos que ficariam desempregados, eram os meus amigos, pessoas que fazem parte do meu dia a dia, independente do crachá que carregam no pescoço. A Cidade sai do ar novamente daqui a algumas horas. Perdem os profissionais, os ouvintes, os artistas, o rock e o mercado de rádio do Rio de Janeiro. Novamente a equação ‘aluguel do dial = + lucro’ falou mais alto.
A Rádio Cidade manteve a sua tradição de ser pioneira até neste momento, pois é a primeira rádio com dial próprio que acaba pela segunda vez no Rio.
Enquanto redigia este texto, tocou Black Hole Sun, a minha música preferida. Provavelmente, será a última vez que irei ouvi-la em uma rádio do Rio. Uma despedida icônica! 


Obrigado, Cidade!

Força, amigos!

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Arrumando as gavetas

Arrumei as gavetas, físicas e emocionais. Carrego no lado esquerdo do peito um arquivo de aço com duas gavetas. Abro a primeira gaveta (de cima) todos os dias quando acordo. Ela funciona como um follow-up, confiro o que está dentro, faço correções e atualizações, mas não tenho o poder de adicionar nada e nem de impedir que algo entre. É preciso tomar de assalto para estar presente neste espaço. Familiares e verdeiros amigos são vitalícios na primeira. É a gaveta que me sustenta no dia a dia. 
Na segunda gaveta (de baixo), guardo o que de relevante esteve na primeira. Porém, tenho mais autonomia na segunda gaveta. Só coloco o que eu quero e na migração posso jogar fora o que não merece ser guardado.
Se a mudança de gaveta for inevitável, a quantidade de coisas que vou arquivar é o parâmetro para saber se a valeu a pena. Além de espaçosa, a segunda gaveta está protegida com naftalina, preservando o conteúdo livre de traças e outras pragas até o fim da vida. 
Nos últimos dias, arquivei lugares, planos, aromas, sabores, expressões, canções, filmes, sorrisos, sentimentos e pequenos detalhes, como ter aprendido a fazer bolinhas com os pares de meia. 
O período de migração nunca é fácil, mas é necessário. O motivo da mudança pode ser a morte, mas na maioria das vezes a migração é causada pela vida e suas decisões.