quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Milagre de São Sebastião

Foi no fim de tarde do dia 20 de janeiro de 2015. Estava trabalhando no feriado, o que é normal para um jornalista, na cobertura da procissão de São Sebastião. Tudo calmo no trajeto do Santuário dos Frades Capuchinos, na Tijuca, até a Catedral Metropolitana, no Centro.
Faltavam poucos minutos para o fim do plantão, combinei com a minha chefe que faria a última entrada no ar e fui atrás de uma personagem. Olhei ao redor e escolhi o alvo: uma senhora de cabelo curto que aparentava ter uns 70 anos. Com certeza ela teria algo bacana para contar como um pedido especial ou uma graça alcançada. Mas entre nós haviam alguns degraus. Estava a cerca de 2 metros dela, mas precisaria descer um pouco para ficarmos no mesmo nível, pois ela estava sentada na escadaria da Catedral.
Pulei de uma altura de 30 centímetros pela lateral da escadaria. Quando apoiei o pé direto no chão, me desequilibrei e virei o corpo para o lado esquerdo, fazendo um movimento de torção no joelho, seguido pela queda no chão. Senti a dor mais forte da minha vida. Havia acabado de romper o ligamento cruzado anterior do joelho, ironicamente, uma lesão típica de jogadores de futebol. Nunca tive o menor talento para o esporte que é a paixão dos brasileiros.
Por alguns segundos, meus gritos de dor disputaram com o São Sebastião a atenção dos fiéis. Fui socorrido pela senhora que seria a minha entrevistada. Como estava com o microfone e o crachá da rádio, algumas pessoas correram até o Amarelinho (carro de reportagem da Rádio Globo) para chamar o Nilson, o motorista que estava comigo naquela tarde de peregrinação. Ele me carregou até o carro e fomos direto para o hospital Copa D'Or. Fiquei devendo a última entrada no ar naquele dia.
O ortopedista da emergência nem precisou esperar o resultado dos exames para fazer o diagnóstico. Meu joelho estava "solto". Tomei analgésicos, recebi alta, marquei a consulta com o especialista e fui para casa ainda sentindo muita dor. Ao chegar novamente no Copa D'Or para a consulta, dois dias após o acidente, encontrei no consultório o Dr. Rodrigo Kaz, ex-diretor médico do Botafogo e uma das maiores autoridades em joelho no Brasil. Ufa, estava em boas mãos.
Ele examinou meu joelho e só deu uma opção para resolver o problema: cirurgia. Foi neste momento que começou o milagre. Desde a morte do papai, criei um bloqueio com cirurgias e cicatrizes ao ponto de me sentir mal se alguém começar a falar no assunto perto de mim. O caso mais extremo aconteceu há uns 4 anos numa agência bancária. Perto de mim estava uma jovem muito bonita com um vestido decotado, só que ela tinha uma enorme cicatriz no tórax que provavelmente era decorrente de uma cirurgia cardíaca. Não consegui para de olhar para a cicatriz e fui ficando impaciente, agoniado. Minutos depois joguei a toalha e saí do banco sem pagar as contas.
Como alguém com uma paranoia tão grande poderia se submeter a cirurgia de reconstrução de um ligamento? Adiei por 4 meses tentando levar uma vida normal, mesmo com dor e sem poder fazer o movimento de torção do joelho, que é a função do ligamento que eu não tinha mais. Marquei a cirurgia para o final do mês de maio. No dia anterior a cirurgia, uma funcionária do hospital me ligou e perguntou qual era a minha religião. Putz, pirei. Achei que já estavam preparando a minha extrema-unção.
Tentei me confortar na experiência do Dr. Rodrigo Kaz, e deu certo. Ele me passou a confiança necessária para vencer esse obstáculo. A cirurgia durou cerca de duas horas e foi muito bem sucedida. Começava ali a parte mais difícil: 30 dias de repouso absoluto, utilizando muletas e saindo de casa apenas para fazer fisioterapia. Nove dias após a operação, eu já me sentia apto a dirigir, e assim fui a todas as sessões de fisioterapia. Minha teimosia e impaciência estavam colaborando para que o resultado da cirurgia fosse por água abaixo.
Estava me sentido tão confiante no período final do repouso, que fui a São Paulo dirigindo. Dr. Rodrigo não sabe disso, é claro. Ouvi dele em todas as consultas de revisão: "Você é o paciente que mais me preocupa no momento, pois sua recuperação está surpreendente, melhor do que a de muitos atletas, o que pode te encorajar a passar dos limites". Eu fazia cara de bom rapaz e falava para ele não se preocupar. Voltei a trabalhar logo no início de julho, e em um dos primeiros dias de retorno, atravessei a Linha Amarela correndo para chegar ao local de um acidente. Só lembrei da cirurgia na hora que pulei a mureta central da via, doeu...
Sete meses após a cirurgia, o meu joelho está melhor do que antes do acidente. Após o fim das sessões de fisioterapia, iniciei a musculação para fortalecer o novo ligamento do joelho, que foi retirado da parte posterior da coxa. E o melhor de toda história é que a pequena cicatriz dos seis pontos não me incomoda.
Dr. Rodrigo Kaz foi muito importante, mas acredito que São Sebastião foi o principal responsável por me livrar desse trauma.

Viva, São Sebastião!