quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Não são apenas ouvintes

Desde quando criei o perfil 'profissional' no Facebook, em março de 2015, fui adicionado por quase 4 mil pessoas. Algumas me adicionaram para pedir brindes, outras para sugerir reportagens, porém, a grande maioria foi motivada por um sentimento de carinho e admiração pelo meu trabalho.
Como em qualquer círculo social, acabamos ficando mais próximos de algumas pessoas. A Ignez Sousa Ribeiro sempre foi a amiga-ouvinte mais próxima. Trocávamos mensagens quase toda semana. No início de 2015, apresentei durante alguns meses o programa 'Sucessos da Globo' e logo depois cobri as férias do Alexandre Ferreira no 'Bailaço da Rádio Globo', e a Ignez passava as madrugadas de domingo acordada prestigiando o meu trabalho. Em maio do ano passado, saí de licença para operar o joelho e ela sempre me enviava energias positivas com desejos de rápida recuperação. Se eu tirasse um período de folga mais longo, ela me mandava uma mensagem para perguntar se estava tudo bem. Nos encontramos apenas uma vez, quando ela foi à rádio buscar um brinde e fiz questão de recebê-la. Conversamos bastante e nos despedimos com um abraço apertado. E foi assim que construímos uma amizade, verdadeira e recíproca de carinho. No último aniversário dela, no dia 09 de setembro, liguei pra ela, o que a deixou surpresa e feliz. Lembro-me de ter dito na ligação que "para amigos de verdade, mensagens na rede social não bastam".
Nossa última troca de mensagens foi no dia 11 deste mês. Uma semana depois, minha amiga Ignez foi para o Céu. Infelizmente, só soube da notícia hoje, pois horas antes dela falecer, viajei para aproveitar a folga da semana de Natal numa cidadezinha do interior do Rio, pois precisava recarregar as energias depois de um ano tão difícil. Voltei ontem, e ao acessar o Facebook agora, me deparo com a triste notícia dada pela também amiga-ouvinte Fatima Cavalcanti, que era a melhor amiga da Ignez.
Peço a que todos que lerem essa mensagem, que coloquem o nome da minha amiga Ignez Sousa Ribeiro em suas orações para que Deus possa recebê-la de braços abertos e que ela encontre a paz merecida.
Tenho certeza que a Ignez levou para o Céu o radinho da Rádio Globo e vai continuar nos ouvindo lá de cima.
Ignez, obrigado pela amizade, carinho e lealdade!


Descanse em paz!

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um sonho que não era meu

A minha geração de estudantes de jornalismo deu muita sorte, pois ingressou no mercado de trabalho a tempo de participar de 3 grandes coberturas: manifestações de 2013, Copa do Mundo e Olimpíada. Das duas primeiras, participei do início ao fim. Mas não acreditava que aconteceria o mesmo durante os Jogos Olímpicos. Quando o Rafael Marques, coordenador de esporte do Sistema Globo de Rádio, disse que havia me credenciado, pensei: “O Rafa está louco, ele sabe que não entendo nada de esportes que não tenham piloto e motor.”
Admito que existia uma má vontade de minha parte em aceitar os Jogos Olímpicos, pois o Parque Olímpico, principal local de competições, foi construído no solo sagrado do saudoso Autódromo de Jacarepaguá.
Faltando um mês para o início da Olimpíada, houve uma mudança na escalação da equipe de cobertura dos Jogos. Torci para ficar de fora. Mas os gestores do esporte mantiveram a minha permanência na equipe.
Não tinha jeito, eu participaria da Estação Rádio Globo CBN, uma rádio criada exclusivamente para a cobertura da Olimpíada, 24 horas por dia. Mais uma vez pensei: “Isso é loucura! O SporTV vai transmitir a Olimpíada em 16 canais, não tem como fazer o mesmo no rádio com apenas 1 canal (dial).”

A reunião realizada na véspera da abertura, mostrou que eu estava errado novamente. Nunca vi uma equipe tão comprometida e motivada. Foi aí que caiu a ficha, fazer a história com aquelas pessoas era um grande presente. Voltei para casa sorrindo, porém inseguro, algo que não é muito comum. Na noite que antecedeu o início da cobertura, eu não consegui dormir. Senti a pressão de participar de algo tão grande sem ter o domínio necessário do assunto. Mas já no primeiro dia, ficou evidente que a palavra ‘equipe’ passaria a ter outro significado. Infelizmente, profissionais da área de comunicação costumam pecar muito por causa da vaidade (não me excluo), o que sempre compromete o resultado do trabalho em grupo. Contudo, desta vez foi diferente. Uma equipe com mais de 50 pessoas unidas pelo mesmo ideal: fazer história no rádio. E fizemos! Diretores, gerentes, coordenadores, chefes de reportagem, apresentadores, narradores, repórteres, produtores, operadores de áudio e estagiários, todos se ajudando 24 horas por dia. Compartilhávamos nossas experiências diariamente em um grupo de whatsapp, o que facilitava muito a vida do colega escalado para ir ao mesmo lugar no dia seguinte.
Mas eu não era o único intruso no esporte, mais oito companheiros das coberturas factuais da cidade estavam passando pelo mesmo desafio. Só nos restou estudar muito para não vacilarmos no ar. Fizemos caminhadas quilométricas diariamente.Trabalhamos mais de 10 horas todos os dias, quase sempre em pé. Sentimos fome, sede, calor e frio. Mesmo com tudo isso, fomos incansáveis. Nada tirou o sorriso do nosso rosto.
Foi incrível! Pude me reaproximar de amigos, me encantar por pessoas com quem antes eu não simpatizava e trabalhar com monstros do rádio esportivo brasileiro. Nenhuma modalidade passou batida na Estação. Fizemos em um canal de rádio o que a principal emissora esportiva de TV do país fez em 16. 
Ontem, na comemoração da equipe após o encerramento, o Marcos Guiotti me disse algo e passei a compartilhar do mesmo pensamento: “Os próximos livros escritos sobre rádio para universitários da área de comunicação, não poderão ignorar o que fizemos nos últimos 15 dias.”
Sentirei falta dos Jogos Rio 2016. Mas a saudade da Estação Rádio Globo CBN será muito maior.
Aos que me proporcionaram essa experiência fantástica, muito obrigado!

domingo, 31 de julho de 2016

Adeus mais uma vez

No dia 05 de março de 2006, publiquei um texto na comunidade do orkut da Rádio Cidade chamado ‘Desabafo de um ouvinte’. Aquele domingo marcou o fim da primeira fase da Rádio Cidade. O orkut estava no auge e os ouvintes utilizaram a rede social para expressar os mais diversos sentimentos. O meu texto foi o tópico mais movimentado da comunidade da rádio naquela noite, foram centenas de comentários de ouvintes e funcionários, alguns que eu nem conhecia pessoalmente, mas que, a partir daquele dia, me adicionaram e se tornaram meus amigos. É o caso do Sérgio Bitenka, que naquele dia fez uma das despedidas mais emocionantes da história do rádio brasileiro.
Como ele trabalhava no primeiro horário, nunca havia o encontrado durante as minhas visitas à rádio. Um ano depois, nos tornamos amigos ao ponto de nos encontramos para beber chopp e jogar conversa fora. Foi ele quem me apresentou ao diretor da Escola de Rádio, Ruy Jobim (este fato mudou o rumo da minha vida). Depois que terminei o curso de locução básica na Escola de Rádio, o Sergio me indicou para fazer um teste para vaga de locutor na também extinta Multishow FM. Tudo isso por causa do ‘Desabafo de um ouvinte’. Foi a primeira vez que alguém disse que havia chorado lendo algo escrito por mim.
Hoje também é domingo, dia 31 de julho de 2016, um pouco mais de 10 anos depois, escrevo novamente pelo mesmo motivo.
O rádio sempre esteve presente em meu lar. Minha mãe era ouvinte da 98 FM - É Só Sucesso, não perdia um programa do Heleno Rotay. Meu saudoso pai era fanático pelo Flamengo e não perdia um jogo do Futebol Show da Rádio Globo. Na casa dos meus padrinhos, também só dava Rádio Globo. O Haroldo de Andrade fazia-se presente em todas as manhãs que passei com o tio Aureo e a tia Rosa. 
Cresci na vila onde surgiu o Piu-Piu & Sua Banda, uma das principais bandas do cenário do rock independente do Rio de Janeiro, na década de 1990. O local era frequentado pelos principais músicos da 'Geração Garage'. É claro que o rock seria o meu estilo musical favorito.
Por causa disso, numa tarde de 1996, aos 12 anos de idade, resolvi ligar o rádio-relógio do meu quarto, que até então só servia para não me deixar ir atrasado para o colégio. Fui passeando pelo dial e encontrei a Rádio Cidade. Na época, a Monika Venerabile era a principal locutora da emissora e o programa apresentado por ela, o Cidade do Rock, era o carro chefe da rádio e tocava músicas inimagináveis para os dias de hoje, como ´Tora Tora´ do Raimundos. Como sempre fui politicamente incorreto, a Cidade me conquistou logo de cara. O pós-grunge estava no auge com diversas bandas, muitas delas ficaram no 'one hit wonder', como o Spacehog, Deep Blue Something, Dishwalla, The Nixons, entre outras. Também fazia muito sucesso uma nova geração do britpop com The Verve, Oasis e Blur. O punk rock tinha destaque na programação com Green Day e Offspring. No rock brazuca, era o momento do Raimundos, Planet Hemp e o Rappa. Além de tudo isso, havia espaço para bandas independentes no horário nobre da emissora. A emoção de ouvir os meus amigos do Piu Piu & Sua Banda tocando pela primeira vez no principal programa da rádio foi indescritível.
Comecei a ligar para a rádio pedindo música todos os dias. A voz inconfundível de um garoto chegando à puberdade fez com que o atendente da rádio (acho que o nome dele era Flávio) já me atendesse com 'oi, Renato' logo após o meu 'alô'. Como foi a fase mais rock da rádio em questão de programação musical e de atitude dos locutores no ar, não era normal ter ouvintes de 12 anos de idade, e logo ganhei o título de ouvinte mais jovem da rádio. 
No dia 11 de junho de 1996, enquanto eu assistia na TV Record as imagens da explosão na praça de alimentação de um shopping em Osasco, ouvia na Rádio Cidade a estreia de um programa chamado InterCidade, apresentado pelo locutor Renato Bruno. Quando liguei para pedir uma música, o atendente fez o convite: “todo mundo da rádio quer te conhecer, vem amanhã participar do programa ao vivo no estúdio”.
Lá fui eu acompanhado pela minha mãe e minha irmã ao sétimo andar do famoso prédio da Avenida Brasil, número 500. Que tarde fantástica! Todos os funcionários da rádio me trataram muito bem. Entrei em um estúdio de rádio pela primeira vez e participei do programa ao vivo entrevistando a produtora Viviane Branco. A Vivi produzia o programa SexCidade, que era apresentado pela Adriana Riemer e tinha a participação de uma sexóloga. Eu nem beijava na boca, mas já sabia tudo sobre sexo. O programa ia ao ar de segunda a sexta, às 09h da manhã, outro fato inimaginável nos dias de hoje.
Que me perdoem as minhas ex-namoradas, mas aquela tarde é a lembrança mais marcante que tenho de um dia dos namorados. Chegava do colégio e já ligava o rádio na Cidade. O locutor que fazia o horário do almoço era o Luciano Oliva, hoje na Jovem Pan de São Paulo.
A Rádio Cidade havia se tornado a minha principal companhia, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Em 1999, a emissora passou por uma crise de identidade, deixando o rock de lado, até axé chegou a tocar. Mas em 2000, a parceria com a 89 FM – A Rádio Rock de São Paulo, deu um gás novo para a Rádio Cidade. A formação da Rede Rock de Rádio beneficiou bastante a emissora carioca, que logo de cara foi a rádio oficial do Rock in Rio 3, em janeiro de 2001. 
Foi a partir de 2001, que comecei a sonhar em ser locutor de rádio. Na minha opinião, a equipe de locutores da Rádio Cidade em 2001/2002 foi a melhor do dial FM do Rio nos últimos 20 anos: Serginho Bitenka, Rodolfo Becker, Demmy Morales, Rhoodes Lima, Débora Santos, Edu Fontes e o jovem Ronan Tardin. Nos anos seguintes, aconteceram mudanças apenas no horário noturno e nos fins de semana. Zeca Lima, Casé, Fabiano, Carlos Alberto e Carla Machado também integraram a equipe de locutores da Cidade – A Rádio Rock entre 2003 e 2006.
Eu admirava todos os locutores da equipe 2001/2002, mas o Rhoodes era o meu ídolo na locução. Sempre foi a minha maior referência como locutor de rádio musical. Além da voz potente e da locução precisa, ele é perspicaz e irônico no tom ideal. Os ouvintes tentavam sacaneá-lo no ar, mas o pensamento dele estava sempre um passo a frente, o que deixava os ouvintes sem reação. O Rhoodes ingressou na Cidade em 1997, mas só se tornou o principal locutor da emissora após a saída da Monika Venerabile, em 1999. Quando eu treinava locução na minha rádio imaginária, as trocas de horário sempre eram com o Rhoodes. Ele apresentava o programa Hora dos Perdidos, do qual novamente virei figurinha carimbada. Quando algum ouvinte caía em cima da hora, me ligavam para participar. Acabei me tornando amigo dos três co-apresentadores que passaram pelo programa: Claudio BB (BB Monstro), Camille e Paulinho (Calça-Frouxa, Rabugentos, Coruja)
Quando ingressei como estagiário no Sistema Globo de Rádio, em fevereiro de 2013, o Rhoodes era locutor da Beat98. Fui ao estúdio da Beat, dei um abraço nele e agradeci: “se estou aqui hoje, você é um dos responsáveis por isso”. 
Outro fato marcante da época Cidade – A Rádio Rock (2001 – 2006), foi a interatividade entre ouvintes e funcionários da rádio pelo chat no site da emissora. Era como um Bate-Papo Uol, mas só de ouvintes da rádio. Eu e mais dois ouvintes organizamos o primeiro encontro do Chat Cidade. Foi um sucesso e contou com a participação do Webmaster da rádio, Marcio Norris. O grupo não parava de crescer, e a cada show ou encontro marcado, dezenas de novos frequentadores apareciam. Mas chegou um momento em que o que havia começado como um grupo heterogêneo, estava dividido em vários subgrupos, causando rixas, brigas e muita intriga. Durante algum tempo assumi o papel de líder da ala mais tradicional (leia-se careta), mas depois cansei da confusão e abandonei de vez o “projeto” que idealizei. Mas no fim das contas o saldo foi positivo: jovens com o mesmo gosto musical curtindo shows, paquerando, compartilhando experiências... Vários casais estão juntos até hoje e algumas crianças vieram ao mundo por causa do Chat Cidade. Até hoje tenho pelo menos 5 amigos que conheci nessa época e volta e meia nos encontramos. 
Os boatos do fim da rádio começaram no início de fevereiro de 2006, mas a confirmação só veio na segunda quinzena daquele mês: a Rádio Cidade iria acabar no início do mês seguinte.
Foi uma bomba, tanto para os ouvintes, quanto para o mercado do rádio carioca. Não queria acreditar que perderia a companhia de todos os momentos. A Rádio Cidade foi a trilha sonora de saídas com amigos, confraternizações, paixões, dos momentos bons e também dos ruins. 
A equação é simples: alugar o dial dá muito mais lucro do que manter uma rádio.
Nem havia ingressado profissionalmente no rádio e já sabia que nunca realizaria o sonho de anunciar minhas músicas preferidas ou de trocar de horário com os profissionais que me inspiraram. O dia 05 de março de 2005 foi, sem dúvida, um dos mais tristes da minha juventude. Chorei de soluçar quando o Serginho se despediu dos ouvintes e fez a passagem de horário com o Demmy Morales, às 20h. 
Uma parte importante da minha vida também chegava ao fim.
Não desisti do rádio, só mudei a função que queria exercer nele. Resgatei lembranças dos meus tempos de criança ouvindo Haroldo de Andrade com meus padrinhos ou os jogos do Flamengo com o papai. Queria ser repórter da Rádio Globo, a outra rádio que marcou a minha vida. O desejo era trabalhar no Amarelinho, como o Alberto Brandão, que eu tentava imitar sempre depois que ele entrava no ar nas transmissões esportivas. Meu pai achava um barato. Abandonei a faculdade de Publicidade e Propaganda e investi em cursos na Escola de Rádio. Logo depois, comecei a cursar faculdade de Jornalismo. O Ruy Jobim me disse uma vez: “Se você quiser de verdade, você vai conseguir!” Ele tinha razão. Realizo este sonho todos os dias desde fevereiro de 2013.
Mas o que ninguém poderia imaginar, aconteceu: a Rádio Cidade voltou! 
O retorno foi em 10 de março de 2014. Um dia qualquer, né? Não. Foi o dia em que completei 30 anos de idade. Belo presente! Minha relação com a Rádio Cidade já não era a mesma, pois o sonho de ser locutor da rádio ficou no passado. Mas era ótimo saber que poderia ligar o rádio e escutar minhas músicas preferidas ou ouvir novamente profissionais que foram muito importantes na minha formação como radialista. Tive o privilégio de trabalhar com alguns deles na Rádio Globo ou de conhecer melhor outros. Foi o caso do famoso redator e produtor Julio Psicopata, que hoje em dia é o meu grande amigo Julio Barbosa. Voltei a frequentar a rádio, não mais como ouvinte, e sim como alguém que queria matar saudade de amigos. 
Torci muito pelo sucesso da nova fase da Rádio Cidade, pois era formada por gente do bem, talentosa e que tinha prazer no que fazia. 
Surpreendentemente, no último dia 21, foi feito o anúncio que novamente a rádio acabaria. Praticamente todos os funcionários foram demitidos no mesmo dia. Fiquei muito triste, nem dormi direito naquela noite, pois desta vez não seriam apenas os meus ídolos que ficariam desempregados, eram os meus amigos, pessoas que fazem parte do meu dia a dia, independente do crachá que carregam no pescoço. A Cidade sai do ar novamente daqui a algumas horas. Perdem os profissionais, os ouvintes, os artistas, o rock e o mercado de rádio do Rio de Janeiro. Novamente a equação ‘aluguel do dial = + lucro’ falou mais alto.
A Rádio Cidade manteve a sua tradição de ser pioneira até neste momento, pois é a primeira rádio com dial próprio que acaba pela segunda vez no Rio.
Enquanto redigia este texto, tocou Black Hole Sun, a minha música preferida. Provavelmente, será a última vez que irei ouvi-la em uma rádio do Rio. Uma despedida icônica! 


Obrigado, Cidade!

Força, amigos!

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Arrumando as gavetas

Arrumei as gavetas, físicas e emocionais. Carrego no lado esquerdo do peito um arquivo de aço com duas gavetas. Abro a primeira gaveta (de cima) todos os dias quando acordo. Ela funciona como um follow-up, confiro o que está dentro, faço correções e atualizações, mas não tenho o poder de adicionar nada e nem de impedir que algo entre. É preciso tomar de assalto para estar presente neste espaço. Familiares e verdeiros amigos são vitalícios na primeira. É a gaveta que me sustenta no dia a dia. 
Na segunda gaveta (de baixo), guardo o que de relevante esteve na primeira. Porém, tenho mais autonomia na segunda gaveta. Só coloco o que eu quero e na migração posso jogar fora o que não merece ser guardado.
Se a mudança de gaveta for inevitável, a quantidade de coisas que vou arquivar é o parâmetro para saber se a valeu a pena. Além de espaçosa, a segunda gaveta está protegida com naftalina, preservando o conteúdo livre de traças e outras pragas até o fim da vida. 
Nos últimos dias, arquivei lugares, planos, aromas, sabores, expressões, canções, filmes, sorrisos, sentimentos e pequenos detalhes, como ter aprendido a fazer bolinhas com os pares de meia. 
O período de migração nunca é fácil, mas é necessário. O motivo da mudança pode ser a morte, mas na maioria das vezes a migração é causada pela vida e suas decisões.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O destino não dá uma segunda chance

Em agosto de 2014, comprei um Fusca. Mas não é um Fusca normal, comprei um tesouro: 1971, único dono, todo original, íntegro de carroceria e motor, e com nota fiscal de fábrica em perfeito estado. 
Era mais do que eu procurava naquele momento, pois pretendia aproveitar a companhia e incentivo do meu grande amigo Fabio e me tornar também um antigomobilista. Como o carro já tem mais de quarenta anos, precisava restaurar o interior e pintar a carroceria. 
Não passou outra pessoa pela minha cabeça, o profissional ideal para esse serviço era o Chicão, lanterneiro da minha confiança desde 2005. Como sou conhecido pelo extenso histórico de acidentes de trânsito, o Chicão fez serviços em seis dos oito carros que tive até hoje. Nos encontrávamos com frequência. 
Ele me ganhou como cliente após fazer um desafio. Meu segundo carro foi um Fiesta, apelidado de 'Gasparzinho' por um amigo de trabalho. No final de 2005, bati forte com o Gasparzinho na traseira de um Santana. Estava em busca de um lanterneiro para fazer o serviço e vários profissionais falaram que seria necessário trocar o capô. Quando entrei na Auto Mecânica Jofa, localizada na Estrada do Cafundá, na Taquara, fui atendido pelo Chicão, proprietário da oficina. Ele olhou o carro, fez o orçamento e disse que não precisaria trocar o capô. Questionei, mas ele respondeu sem titubear: "Se o carro não ficar bom, você não paga o serviço". O carro ficou igual 0km. Estava ali instituída uma relação de confiança e respeito. 
Passei a indicá-lo para todas as pessoas que conheço. Os que aceitaram a indicação, ficaram impressionados com a perfeição do serviço. 
Voltando ao Fusca, deixei na oficina do Chicão na semana seguinte a compra. Alguns meses antes, a diabetes havia levado metade de uma de suas pernas. Enquanto a prótese não ficava pronta, ele improvisou uma com pedaços de uma muleta e a forma de um sapato. Era algo incrível! 
Ele me contou que os médicos da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação) ficaram tão encantados com a invenção criada por ele, que adiantaram o processo de confecção da prótese definitiva para que pudesse voltar a levar uma vida normal o mais rápido possível. 
Como eu estava ciente do estado de saúde dele, deixei o Fusca lá dizendo: "Não precisa ter pressa, Chicão. Esse carro será meu hobby e só confio em você para realizar este serviço." Ele levou minha fala ao pé da letra. Estacionou o Fusca em um canto da oficina, desmontou todo e em quase dois anos, só mexeu no assoalho, nas caixas de ar e nos pés de coluna. 

Fusca em agosto de 2014, na entrada da Auto Mecânica Jofa

Nos últimos dois anos, visitei a oficina a cada dois meses e sempre ouvia que o carro ficaria pronto no mês seguinte. Ele priorizava os carros mais novos e como sabia da minha consideração por ele, me enrolava na maior cara de pau, mas nunca consegui sentir raiva dele. Decidi que era mais fácil tirar o Fusca de lá do que acabar me aborrecendo, pois jogaria no lixo 11 anos de confiança e respeito. Acordei hoje determinado a dar o ultimato nesta situação. Pesquisei outra oficina, vi o preço do guincho e fui à Auto Mecânica Jofa depois do trabalho. Chamei o Fabio para ir comigo, pois sabia que ele não me deixaria cair novamente na lábia do senhorzinho de fala mansa. Ao chegarmos na oficina, às 13h, avistamos o Fusca parado, desmontado, bem distante do carro que eu imaginava levar para as exposições. Perguntei pelo Chicão, pronto para informar que retiraria o carro da oficina, mas ele não estava lá. Um funcionário me informou que o Chicão havia falecido na tarde de ontem, em decorrência de um AVC. O seu corpo estava sendo velado naquele momento, pois o enterro estava marcado para às 14h. Fiquei sem palavras, olhei para o Fusca parado, abandonado e vi o meu retrato após receber a triste notícia de forma tão inesperada. A vida quis que a minha visita de hoje fosse realmente o ultimato. 
Descanse em paz, Chicão!

segunda-feira, 7 de março de 2016

O preço do amor

Minha mãe sempre fala: "O Renato só ama de verdade os gatos". Essa frase nunca me atingiu, pelo contrário, pois sentir um amor verdadeiro, sem cobranças, interesses ou prazo de validade, é um privilégio. Conheço muitas pessoas que não tiveram essa experiência. Nunca fui uma pessoa solitária, nunca mesmo. Sempre estive rodeado da família, grandes amigos, namoradas... Porém, só esses pequenos animais conseguiram tirar o melhor do meu lado humano. Se um dia alguém me vir sorrindo em frente a um computador, pode ter certeza que não estou assistindo Porta dos Fundos, será algum vídeo bobo de travessuras de felinos.
Peguei meu primeiro gato, o Frajola, em 1997. Era um lorde: educado e imponente. Respeitado por todos os outros gatos e até por cachorros. Morreu em 2009, vítima de um tumor. Na verdade, 2009 foi um ano tenebroso por causa de grandes perdas: papai, um amigo de infância, um vizinho que era um tio e o meu filho Frajola. Filho, isso mesmo.
Eram cinco aqui em casa até a manhã desta segunda-feira. Cheguei do trabalho há pouco, mas só tinha um. Brooke, a mais distante de mim, herdeira do reinado que o Frajola deixou vago. Tive alguns problemas com uma vizinha grávida nas últimas semanas por causa dos gatos. Não há o que discutir com uma mulher grávida, ela sempre terá a razão. Só me restou uma opção: doar meus filhos. Fui pai, politicamente incorreto ao extremo. Falava com eles coisas capazes de estragar a formação do caráter de qualquer criança. No entanto, acho que concordavam com os meus posicionamentos.
Como era bom assistir telejornais com eles, todos os personagens que apareciam nas reportagens eram alvos de comentários. Como confiava em meus filhos, sabia que eles não espalhariam os meus pensamentos por aí. Eles também nunca questionaram meus comentários enquanto assistíamos corridas juntos. Tenho certeza de que eles acreditavam que realmente entendo de automobilismo. Também eram fãs do Soundgarden, pois nunca reclamaram do som no volume máximo e nem dos meus gritos tentando imitar os agudos do Chris Cornell. Durante os anos que dividiram espaço com a minha bateria, foram os únicos que nunca protestaram enquanto eu tocava. Sempre que me arrumava para encontrar uma nova pretendente, eu avisava: "vocês vão ganhar uma nova madrasta". Eles me respondiam com olhares, miados, lambidas, mordidinhas, arranhões ou fugas. Uma relação de cumplicidade, paciência e confiança, que acredito não ser capaz de ter com nenhuma pessoa. Praticamente, todos os meus gatos foram batizados com nome de pilotos, músicos ou personagens de séries que gosto.
Ontem à noite, quando voltava do trabalho, já sabia qual seria o destino deles na manhã de hoje. No som do carro, tocava o CD " All That You Can't Leave Behind". Foi na introdução da música " When I Look At The World" que a ficha caiu. A noite, as ruas vazias, a música, o vento e a saudade antecipada. 

Me despedi de todos antes de ir trabalhar hoje cedo. Agradeci a Sophia por tomar conta do meu carro na garagem todos os dias. Pedi desculpas ao Matt por todas vezes que o chamei de afrescalhado. Ao Chris, pedi perdão por tê-lo retirado das ruas há alguns meses e não ter cumprido a promessa de cuidar dele para sempre. Para doar a Bia tive que pedir a bênção do meu saudoso pai, pois era a gata preferida dele. Não havia óculos escuros no mundo que pudessem disfarçar meu olhar perdido no trajeto até o trabalho. A casa está assustadoramente mais vazia, a Brooke continua sem entender o que aconteceu e eu sigo pedindo a Deus que eles possam ensinar a seus futuros pais o que é o amor. Perdi o privilégio, agora, só sou mais um.

(Chris Cornell no dia que o tirei das ruas)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Milagre de São Sebastião

Foi no fim de tarde do dia 20 de janeiro de 2015. Estava trabalhando no feriado, o que é normal para um jornalista, na cobertura da procissão de São Sebastião. Tudo calmo no trajeto do Santuário dos Frades Capuchinos, na Tijuca, até a Catedral Metropolitana, no Centro.
Faltavam poucos minutos para o fim do plantão, combinei com a minha chefe que faria a última entrada no ar e fui atrás de uma personagem. Olhei ao redor e escolhi o alvo: uma senhora de cabelo curto que aparentava ter uns 70 anos. Com certeza ela teria algo bacana para contar como um pedido especial ou uma graça alcançada. Mas entre nós haviam alguns degraus. Estava a cerca de 2 metros dela, mas precisaria descer um pouco para ficarmos no mesmo nível, pois ela estava sentada na escadaria da Catedral.
Pulei de uma altura de 30 centímetros pela lateral da escadaria. Quando apoiei o pé direto no chão, me desequilibrei e virei o corpo para o lado esquerdo, fazendo um movimento de torção no joelho, seguido pela queda no chão. Senti a dor mais forte da minha vida. Havia acabado de romper o ligamento cruzado anterior do joelho, ironicamente, uma lesão típica de jogadores de futebol. Nunca tive o menor talento para o esporte que é a paixão dos brasileiros.
Por alguns segundos, meus gritos de dor disputaram com o São Sebastião a atenção dos fiéis. Fui socorrido pela senhora que seria a minha entrevistada. Como estava com o microfone e o crachá da rádio, algumas pessoas correram até o Amarelinho (carro de reportagem da Rádio Globo) para chamar o Nilson, o motorista que estava comigo naquela tarde de peregrinação. Ele me carregou até o carro e fomos direto para o hospital Copa D'Or. Fiquei devendo a última entrada no ar naquele dia.
O ortopedista da emergência nem precisou esperar o resultado dos exames para fazer o diagnóstico. Meu joelho estava "solto". Tomei analgésicos, recebi alta, marquei a consulta com o especialista e fui para casa ainda sentindo muita dor. Ao chegar novamente no Copa D'Or para a consulta, dois dias após o acidente, encontrei no consultório o Dr. Rodrigo Kaz, ex-diretor médico do Botafogo e uma das maiores autoridades em joelho no Brasil. Ufa, estava em boas mãos.
Ele examinou meu joelho e só deu uma opção para resolver o problema: cirurgia. Foi neste momento que começou o milagre. Desde a morte do papai, criei um bloqueio com cirurgias e cicatrizes ao ponto de me sentir mal se alguém começar a falar no assunto perto de mim. O caso mais extremo aconteceu há uns 4 anos numa agência bancária. Perto de mim estava uma jovem muito bonita com um vestido decotado, só que ela tinha uma enorme cicatriz no tórax que provavelmente era decorrente de uma cirurgia cardíaca. Não consegui para de olhar para a cicatriz e fui ficando impaciente, agoniado. Minutos depois joguei a toalha e saí do banco sem pagar as contas.
Como alguém com uma paranoia tão grande poderia se submeter a cirurgia de reconstrução de um ligamento? Adiei por 4 meses tentando levar uma vida normal, mesmo com dor e sem poder fazer o movimento de torção do joelho, que é a função do ligamento que eu não tinha mais. Marquei a cirurgia para o final do mês de maio. No dia anterior a cirurgia, uma funcionária do hospital me ligou e perguntou qual era a minha religião. Putz, pirei. Achei que já estavam preparando a minha extrema-unção.
Tentei me confortar na experiência do Dr. Rodrigo Kaz, e deu certo. Ele me passou a confiança necessária para vencer esse obstáculo. A cirurgia durou cerca de duas horas e foi muito bem sucedida. Começava ali a parte mais difícil: 30 dias de repouso absoluto, utilizando muletas e saindo de casa apenas para fazer fisioterapia. Nove dias após a operação, eu já me sentia apto a dirigir, e assim fui a todas as sessões de fisioterapia. Minha teimosia e impaciência estavam colaborando para que o resultado da cirurgia fosse por água abaixo.
Estava me sentido tão confiante no período final do repouso, que fui a São Paulo dirigindo. Dr. Rodrigo não sabe disso, é claro. Ouvi dele em todas as consultas de revisão: "Você é o paciente que mais me preocupa no momento, pois sua recuperação está surpreendente, melhor do que a de muitos atletas, o que pode te encorajar a passar dos limites". Eu fazia cara de bom rapaz e falava para ele não se preocupar. Voltei a trabalhar logo no início de julho, e em um dos primeiros dias de retorno, atravessei a Linha Amarela correndo para chegar ao local de um acidente. Só lembrei da cirurgia na hora que pulei a mureta central da via, doeu...
Sete meses após a cirurgia, o meu joelho está melhor do que antes do acidente. Após o fim das sessões de fisioterapia, iniciei a musculação para fortalecer o novo ligamento do joelho, que foi retirado da parte posterior da coxa. E o melhor de toda história é que a pequena cicatriz dos seis pontos não me incomoda.
Dr. Rodrigo Kaz foi muito importante, mas acredito que São Sebastião foi o principal responsável por me livrar desse trauma.

Viva, São Sebastião!