quinta-feira, 29 de maio de 2014

Obrigado, campeão!

Quando o Ayrton Senna morreu, em maio de 1994, assistir Fórmula 1 era um programa familiar dominical. Não precisava gostar ou entender de automobilismo, era só torcer para o hino nacional ser executado no pódio (muita gente gostava mais do "tam nam nam, tam nam nam" na linha de chegada). Senna morreu, o Brasil todo chorou, minha irmã fez uma redação sobre aquele 1º de maio que foi considerada "espetacular" pelo professor Pedro, com direito a parabéns da diretora do colégio e cópias espalhadas por todos os cantos. O professor Pedro também me elogiava, minhas redações recebiam as notas mais altas da turma (minha irmã estava 5 séries na minha frente), mas carrego a frustração de nunca ter sido "espetacular" na disciplina do meu professor preferido.
No final de 1994, o mundo conheceu um novo campeão, que se tornaria um fenômeno das pistas alguns anos depois: Michael Schumacher.
Em 1995, assistir Fórmula 1 já era um programa solitário, pois para a minha família e também para boa parte dos brasileiros, a categoria não tinha mais graça sem o Senna. Mas fui fiel, e a cada corrida eu me apaixonava mais. Estou falando de 1995, não existia o google e internet ainda era coisa de outro mundo. Eu só tinha acesso as notícias do automobilismo pela TV Globo, que transmitia a Fórmula 1, e pelo SBT, que iniciou a transmissão da Fórmula Indy naquele ano.

A primeira corrida transmitida pelo SBT foi as 200 Milhas de Miami. Seis pilotos brasileiros disputavam a categoria em 1995, mas a corrida que marcava a estreia da Indy na programação do canal, foi vencida por um  jovem piloto canadense chamado Jacques Villeneuve. Só depois de alguns anos, após o surgimento do milagre da internet, descobri que o pai dele foi um dos melhores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos. No ano anterior, o canadense, piloto do carro 27 da equipe Forsythe/Green (número imortalizado por seu pai na Ferrari), foi considerado o estreante do ano, vencendo a prova de Elkhart Lake e terminando a temporada na sexta posição. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 200 Milhas de Elkhart Lake de 1994)
Após a vitória na etapa de estreia da temporada de 1995, o jovem Jacques Villeneuve já era o piloto mais badalado da categoria. A segunda vitória do canadense na temporada, aconteceu no dia 28 de maio, na mais tradicional prova do automobilismo mundial: 500 Milhas de Indianápolis. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 500 Milhas de Indianápolis de 1995
Villeneuve ganhou mais duas corridas na temporada e sagrou-se campeão deixando pra trás na tabela ícones do automobilismo mundial como Al Unser Jr., Bobby Rahal e Emerson Fittipaldi. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 200 Milhas de Miami de 1995)
O arrojo do Villeneuve nas pistas me encantava, e no final de 1995, já estava definido quem era o meu ídolo no automobilismo.
Após a ascensão meteórica na Fórmula Indy, a equipe Williams ofereceu uma vaga para Villeneuve correr na principal categoria do automobilismo mundial.

Já na etapa de estreia na Fórmula 1, Jacques fez a pole position e terminou a corrida na segunda colocação, após uma disputa de posição com Damon Hill digna de Gillles Villeneuve. (Vídeo: Jacques Villeneuve x Damon Hill - GP da Austrália de 1996)
Novamente todas as atenções do mundo automobilístico se voltaram para o canadense. Jacques Villeneuve terminou a temporada de estreia na segunda colocação, apenas três pontos atrás do campeão e companheiro de equipe, o já experiente Damon Hill.
Em 1997, Jacques teve como principal rival o alemão Michael Schumacher. O título de 1997 foi decidido numa manobra desleal do alemão da Ferrari, que bateu propositalmente em Villeneuve durante uma ultrapassagem, repetindo a tática suja que o fez campeão do mundo em 1994, contra o inglês Damon Hill. Só que em 1997 o plano não deu certo, o alemão abandonou a prova e o canadense que podia chegar até em sexto, recebeu a bandeirada do GP de Jerez em terceiro e garantiu o campeonato, em seu segundo ano na categoria. Novamente Villeneuve foi o destaque da temporada, ganhando 7 das 17 provas disputadas no ano. (Vídeo: Villeneuve x Schumacher - GP de Jerez de La Frontera de 1997)

Num período de apenas 4 anos, Jacques Villeneuve debutou e foi campeão nas duas principais categorias do automobilismo mundial. Por isso considero o canadense o piloto mais bem sucedido da década de 1990.
Apenas quatro pilotos foram campeões nas duas categorias: Emerson Fittipaldi, Mario Andretti, Nigel Mansell e Jacques Villeneuve. Sendo que o canadense foi o único que primeiro foi campeão da Indy e depois da Fórmula 1. Fazer parte desse seleto grupo já coloca o Jacques Villeneuve entre os maiores pilotos da história do automobilismo mundial.
Outros dois pilotos contemporâneos de Villeneuve tentaram sem sucesso repetir o feito do canadense: 
Alessandro Zanardi - Participou de forma inexpressiva de quatro temporadas da Fórmula 1 no início da década de 1990. Foi para a Indy em 1996 e ganhou os títulos de 1997 e 1998 de forma incontestável. Retornou à Fórmula 1 em 1999 pela Williams, mas terminou a temporada na 19ª posição, sem marcar nenhum ponto. Voltou para a Indy em 2001, mas sofreu um grave acidente no circuito oval EuroSpeedway Lausitz, na Alemanha, e teve as duas pernas amputadas.
Juan Pablo Montoya - Assumiu o lugar deixado por Zanardi na equipe Chip Ganassi e foi campeão da Fórmula Indy logo na temporada de estreia, em 1999. Em 2001 seguiu para a Fórmula 1 pela Williams. Ficou seis temporadas na categoria e seus melhores resultados foram dois campeonatos terminados na 3ª posição. É um ótimo piloto, mas entrou no categoria no auge da Era Schumacher e ficou só na promessa.

Jacques Villeneuve estava no auge da carreira no início de 1998, era sem dúvida o piloto mais arrojado e corajoso da categoria. Além das qualidades como piloto, Villeneuve era o bad boy do circo da Fórmula 1: sempre dava declarações polêmicas provocando outros pilotos, não gostava de cumprir compromissos de patrocinadores e aparecia sempre com um visual diferente, tingindo os fios de cabelo (originalmente castanhos) de loiro, azul e vermelho.
Mas em 1998 a Williams errou a mão na concepção do carro, e Villeneuve não teve condições para brigar com as McLarens e Ferraris, terminando o campeonato na quinta colocação, sem nenhuma vitória.
Em 1999, Jaques Villeneuve apostou numa nova equipe, a British American Racing, que tinha o seu empresário, Craig Pollock, como um dos sócios. Esta decisão marcou o início da decadência do campeão de 1997 na Fórmula 1. 
Villeneuve pilotou sem sucesso a BAR até a temporada de 2003. Quando descobriu que não teria o contrato renovado para a temporada de 2004, Villeneuve abandonou a equipe faltando duas corridas para o fim da temporada.
A temporada de 2004 da Fórmula 1 começou sem a presença do piloto canadense no grid. Mas após a equipe Renault demitir o italiano Jarno Trulli na parte final do campeonato, Villeneuve teve a oportunidade de disputar 3 etapas pela equipe francesa.
Villeneuve conseguiu uma vaga na Sauber para disputar na íntegra a temporada de 2005. O carro era ruim e o campeão de 1997 terminou a temporada na 14ª colocação. Mesmo com os resultados ruins, Villeneuve protagonizou a manobra mais bonita da temporada: Na etapa da Bélgica, no circuito de Spa-Francorchamps, Villeneuve conseguiu segurar o carro no mergulho da curva Eau Rouge (a mais perigosa da F1) após perder a traseira. 
A equipe Sauber foi comprada pela BMW no final de 2005, e os novos proprietários não estavam satisfeitos com o desempenho do canadense. Jacques Villeneuve foi demitido após a 12ª etapa da temporada da temporada de 2006, cedendo o cockpit da equipe para o jovem polonês Robert Kubica. Nessa altura, Jacques já era um piloto aposentado em atividade.
E foi assim, pela porta dos fundos, que o meu ídolo deu adeus à Fórmula 1.
Jacques quase voltou à Fórmula 1 em 2010, com a promessa da entrada da equipe sérvia Stefan GP na categoria. Mas a equipe foi preterida pela FIA poucas semanas antes do início da temporada. Mas já era tarde demais, comprei com 8 meses de antecedência os ingressos, passagens e reservei hotel para assistir o GP de Interlagos daquele ano, achando que teria a oportunidade de ver de perto o Jacques correndo. A frustração só não foi maior, porque vi o Michael Schumacher pilotando. Neste mesmo ano comecei a gravar boletins diários sobre Fórmula 1 para a Rádio 10, que na época era uma das web rádios mais ouvidas do Brasil. E em 2011, fui convidado para participar do programa CJC Esportes, do Canal CJC, que faz parte da Nossa TV, operadora de TV por assinatura do RR Soares. Participava semanalmente do programa comentando as notícias do mundo automobilístico. Infelizmente abandonei os dois projetos no início de 2012, pois estava sobrecarregado com o trabalho e o último ano da faculdade.

Além do Jacques Villeneuve, torci bastante para outros pilotos da F1, entre eles: Jarno Trulli, Nick Heidfeld e Adrian Sutil.
Voltando à Fórmula Indy, continuei acompanhado a categoria mesmo após a saída do Jacques Villeneuve, pois outro canadense alegrava as minhas tardes de domingo: Paul Tracy. Rápido e inconsequente, o piloto era tratado pela imprensa brasileira como "Sr. Apronta Tudo". Além das inúmeras batidas, ele protagonizou cenas de briga de rua nas pistas e nos boxes. Um verdadeiro anti-herói. Das centenas de corridas que já assisti até hoje, uma vitória do Paul Tracy me marcou: a Rio 200 em 1997. Foi uma vitória heróica em uma prova muito disputada. Se a minha memória não falha, foi a última corrida que assisti na casa dos meus saudosos padrinhos, o que dá o tom forte de saudade dessa lembrança. Paul Tracy sagrou-se campeão em 2003 e fez a última corrida pela Indy em outubro de 2011, após disputar a categoria por 20 anos. (Vídeo: Paul Tracy - O Sr. Apronta Tudo)
A última etapa da temporada 2011 da Indy foi em Las Vegas, no dia 16 de outubro de 2011. Como já tinha madrugado para assistir o Grande Prêmio da Coreia do Sul de Fórmula 1, fui ao cinema a tarde com a namorada e não assisti a prova da Indy. O filme acabou e decidimos jantar, o que atrasou ainda mais o meu retorno para casa. Quando finalmente cheguei, às 23h, liguei o computador e acessei o site Grande Prêmio. O título da notícia em destaque era "Após acidente grave, Dan Wheldon não resiste e morre na F-Indy". Cliquei no link e perplexo, li e reli várias vezes a matéria, enquanto as lágrimas não paravam de escorrer pelo meu rosto. Dan Wheldon era o meu piloto favorito da geração 2000. Foi campeão da Indy em 2005 e também venceu as 500 Milhas de Indianápolis no mesmo ano, fato que se repetiu em 2011.
Foi a primeira vez que a morte de um piloto me abalou. Paul Tracy, também envolvido no grave acidente que vitimou Dan Wheldon, decidiu se aposentar após a trágica corrida.
Além de Paul Tracy e Dan Wheldon, também torcia na Indy pro Jimmy Vasser, Dario Franchitti, e Adrián Fernández.

Mas a Indy voltou a me alegrar no início deste ano, com a notícia de que o Jacques Villeneuve disputaria as 500 Milhas de Indianápolis, após 19 anos de sua última participação na prova.
Havia 8 anos que Jacques não competia numa categoria de monoposto, por isso nem criei muitas expectativas.
Mas o dia chegou, foi no último domingo, e repeti todo o ritual que fazia na década de 1990, trancando a porta do quarto, fechando as cortinas e desativando qualquer aparelho telefônico que pudesse me atrapalhar durante a corrida. Ele largou na 27ª posição, lembrando que 27 é o número eternizado no automobilismo pelo pai dele, Gilles Villeneuve, e que foi utilizado também por Jacques na Indy e em outras categorias. A TV americana quase não mostrou o Villeneuve durante a corrida, pois a briga no pelotão da frente estava muito boa. Após um pouco mais de três horas de prova, o vencedor das 500 Milhas Indianápolis de 1995 cruzava a linha de chegada na 14ª posição. Um bom resultado para quem estava longe da categoria havia quase duas décadas. Jacques já está com 43 anos, e essa pode ter sido a última oportunidade de vê-lo pilotar numa categoria de ponta.


Obrigado, Jacques Villeneuve!

PS: Não posso falar do início da minha paixão pelo automobilismo na década de 1990 e sem citar o piloto da Fórmula Truck Eduardo Fráguas, o "Mad Macarrão". Um caminhoneiro doido que utilizou as economias para comprar um Volvo 1987 e prepará-lo sem nenhum apoio para a temporada de estreia da categoria, em 1996. A paixão dele pelo esporte ficava explícita na forma de pilotar. Um piloto brasileiro com o espírito canadense, uma mistura de Gilles Villeneuve com Paul Tracy. Inesquecível o pega com o Luiz Lanzoni pela nona posição no circuito de Guaporé. (Vídeo: Show do Mad Macarrão em Guaporé)