Quando o Ayrton Senna morreu, em maio de 1994, assistir Fórmula 1 era um programa familiar dominical. Não precisava gostar ou entender de automobilismo, era só torcer para o hino nacional ser executado no pódio (muita gente gostava mais do "tam nam nam, tam nam nam" na linha de chegada). Senna morreu, o Brasil todo chorou, minha irmã fez uma redação sobre aquele 1º de maio que foi considerada "espetacular" pelo professor Pedro, com direito a parabéns da diretora do colégio e cópias espalhadas por todos os cantos. O professor Pedro também me elogiava, minhas redações recebiam as notas mais altas da turma (minha irmã estava 5 séries na minha frente), mas carrego a frustração de nunca ter sido "espetacular" na disciplina do meu professor preferido.
No final de 1994, o mundo conheceu um novo campeão, que se tornaria um fenômeno das pistas alguns anos depois: Michael Schumacher.
Em 1995, assistir Fórmula 1 já era um programa solitário, pois para a minha família e também para boa parte dos brasileiros, a categoria não tinha mais graça sem o Senna. Mas fui fiel, e a cada corrida eu me apaixonava mais. Estou falando de 1995, não existia o google e internet ainda era coisa de outro mundo. Eu só tinha acesso as notícias do automobilismo pela TV Globo, que transmitia a Fórmula 1, e pelo SBT, que iniciou a transmissão da Fórmula Indy naquele ano.
A primeira corrida transmitida pelo SBT foi as 200 Milhas de Miami. Seis pilotos brasileiros disputavam a categoria em 1995, mas a corrida que marcava a estreia da Indy na programação do canal, foi vencida por um jovem piloto canadense chamado Jacques Villeneuve. Só depois de alguns anos, após o surgimento do milagre da internet, descobri que o pai dele foi um dos melhores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos. No ano anterior, o canadense, piloto do carro 27 da equipe Forsythe/Green (número imortalizado por seu pai na Ferrari), foi considerado o estreante do ano, vencendo a prova de Elkhart Lake e terminando a temporada na sexta posição. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 200 Milhas de Elkhart Lake de 1994)
Após a vitória na etapa de estreia da temporada de 1995, o jovem Jacques Villeneuve já era o piloto mais badalado da categoria. A segunda vitória do canadense na temporada, aconteceu no dia 28 de maio, na mais tradicional prova do automobilismo mundial: 500 Milhas de Indianápolis. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 500 Milhas de Indianápolis de 1995
Villeneuve ganhou mais duas corridas na temporada e sagrou-se campeão deixando pra trás na tabela ícones do automobilismo mundial como Al Unser Jr., Bobby Rahal e Emerson Fittipaldi. (Vídeo: Vitória de Jacques Villeneuve nas 200 Milhas de Miami de 1995)
O arrojo do Villeneuve nas pistas me encantava, e no final de 1995, já estava definido quem era o meu ídolo no automobilismo.
Após a ascensão meteórica na Fórmula Indy, a equipe Williams ofereceu uma vaga para Villeneuve correr na principal categoria do automobilismo mundial.
Já na etapa de estreia na Fórmula 1, Jacques fez a pole position e terminou a corrida na segunda colocação, após uma disputa de posição com Damon Hill digna de Gillles Villeneuve. (Vídeo: Jacques Villeneuve x Damon Hill - GP da Austrália de 1996)
Novamente todas as atenções do mundo automobilístico se voltaram para o canadense. Jacques Villeneuve terminou a temporada de estreia na segunda colocação, apenas três pontos atrás do campeão e companheiro de equipe, o já experiente Damon Hill.
Em 1997, Jacques teve como principal rival o alemão Michael Schumacher. O título de 1997 foi decidido numa manobra desleal do alemão da Ferrari, que bateu propositalmente em Villeneuve durante uma ultrapassagem, repetindo a tática suja que o fez campeão do mundo em 1994, contra o inglês Damon Hill. Só que em 1997 o plano não deu certo, o alemão abandonou a prova e o canadense que podia chegar até em sexto, recebeu a bandeirada do GP de Jerez em terceiro e garantiu o campeonato, em seu segundo ano na categoria. Novamente Villeneuve foi o destaque da temporada, ganhando 7 das 17 provas disputadas no ano. (Vídeo: Villeneuve x Schumacher - GP de Jerez de La Frontera de 1997)
Num período de apenas 4 anos, Jacques Villeneuve debutou e foi campeão nas duas principais categorias do automobilismo mundial. Por isso considero o canadense o piloto mais bem sucedido da década de 1990.
Apenas quatro pilotos foram campeões nas duas categorias: Emerson Fittipaldi, Mario Andretti, Nigel Mansell e Jacques Villeneuve. Sendo que o canadense foi o único que primeiro foi campeão da Indy e depois da Fórmula 1. Fazer parte desse seleto grupo já coloca o Jacques Villeneuve entre os maiores pilotos da história do automobilismo mundial.
Outros dois pilotos contemporâneos de Villeneuve tentaram sem sucesso repetir o feito do canadense:
Alessandro Zanardi - Participou de forma inexpressiva de quatro temporadas da Fórmula 1 no início da década de 1990. Foi para a Indy em 1996 e ganhou os títulos de 1997 e 1998 de forma incontestável. Retornou à Fórmula 1 em 1999 pela Williams, mas terminou a temporada na 19ª posição, sem marcar nenhum ponto. Voltou para a Indy em 2001, mas sofreu um grave acidente no circuito oval EuroSpeedway Lausitz, na Alemanha, e teve as duas pernas amputadas.
Juan Pablo Montoya - Assumiu o lugar deixado por Zanardi na equipe Chip Ganassi e foi campeão da Fórmula Indy logo na temporada de estreia, em 1999. Em 2001 seguiu para a Fórmula 1 pela Williams. Ficou seis temporadas na categoria e seus melhores resultados foram dois campeonatos terminados na 3ª posição. É um ótimo piloto, mas entrou no categoria no auge da Era Schumacher e ficou só na promessa.
Jacques Villeneuve estava no auge da carreira no início de 1998, era sem dúvida o piloto mais arrojado e corajoso da categoria. Além das qualidades como piloto, Villeneuve era o bad boy do circo da Fórmula 1: sempre dava declarações polêmicas provocando outros pilotos, não gostava de cumprir compromissos de patrocinadores e aparecia sempre com um visual diferente, tingindo os fios de cabelo (originalmente castanhos) de loiro, azul e vermelho.
Mas em 1998 a Williams errou a mão na concepção do carro, e Villeneuve não teve condições para brigar com as McLarens e Ferraris, terminando o campeonato na quinta colocação, sem nenhuma vitória.
Em 1999, Jaques Villeneuve apostou numa nova equipe, a British American Racing, que tinha o seu empresário, Craig Pollock, como um dos sócios. Esta decisão marcou o início da decadência do campeão de 1997 na Fórmula 1.
Villeneuve pilotou sem sucesso a BAR até a temporada de 2003. Quando descobriu que não teria o contrato renovado para a temporada de 2004, Villeneuve abandonou a equipe faltando duas corridas para o fim da temporada.
A temporada de 2004 da Fórmula 1 começou sem a presença do piloto canadense no grid. Mas após a equipe Renault demitir o italiano Jarno Trulli na parte final do campeonato, Villeneuve teve a oportunidade de disputar 3 etapas pela equipe francesa.
Villeneuve conseguiu uma vaga na Sauber para disputar na íntegra a temporada de 2005. O carro era ruim e o campeão de 1997 terminou a temporada na 14ª colocação. Mesmo com os resultados ruins, Villeneuve protagonizou a manobra mais bonita da temporada: Na etapa da Bélgica, no circuito de Spa-Francorchamps, Villeneuve conseguiu segurar o carro no mergulho da curva Eau Rouge (a mais perigosa da F1) após perder a traseira.
A equipe Sauber foi comprada pela BMW no final de 2005, e os novos proprietários não estavam satisfeitos com o desempenho do canadense. Jacques Villeneuve foi demitido após a 12ª etapa da temporada da temporada de 2006, cedendo o cockpit da equipe para o jovem polonês Robert Kubica. Nessa altura, Jacques já era um piloto aposentado em atividade.
E foi assim, pela porta dos fundos, que o meu ídolo deu adeus à Fórmula 1.
Jacques quase voltou à Fórmula 1 em 2010, com a promessa da entrada da equipe sérvia Stefan GP na categoria. Mas a equipe foi preterida pela FIA poucas semanas antes do início da temporada. Mas já era tarde demais, comprei com 8 meses de antecedência os ingressos, passagens e reservei hotel para assistir o GP de Interlagos daquele ano, achando que teria a oportunidade de ver de perto o Jacques correndo. A frustração só não foi maior, porque vi o Michael Schumacher pilotando. Neste mesmo ano comecei a gravar boletins diários sobre Fórmula 1 para a Rádio 10, que na época era uma das web rádios mais ouvidas do Brasil. E em 2011, fui convidado para participar do programa CJC Esportes, do Canal CJC, que faz parte da Nossa TV, operadora de TV por assinatura do RR Soares. Participava semanalmente do programa comentando as notícias do mundo automobilístico. Infelizmente abandonei os dois projetos no início de 2012, pois estava sobrecarregado com o trabalho e o último ano da faculdade.
Além do Jacques Villeneuve, torci bastante para outros pilotos da F1, entre eles: Jarno Trulli, Nick Heidfeld e Adrian Sutil.
Voltando à Fórmula Indy, continuei acompanhado a categoria mesmo após a saída do Jacques Villeneuve, pois outro canadense alegrava as minhas tardes de domingo: Paul Tracy. Rápido e inconsequente, o piloto era tratado pela imprensa brasileira como "Sr. Apronta Tudo". Além das inúmeras batidas, ele protagonizou cenas de briga de rua nas pistas e nos boxes. Um verdadeiro anti-herói. Das centenas de corridas que já assisti até hoje, uma vitória do Paul Tracy me marcou: a Rio 200 em 1997. Foi uma vitória heróica em uma prova muito disputada. Se a minha memória não falha, foi a última corrida que assisti na casa dos meus saudosos padrinhos, o que dá o tom forte de saudade dessa lembrança. Paul Tracy sagrou-se campeão em 2003 e fez a última corrida pela Indy em outubro de 2011, após disputar a categoria por 20 anos. (Vídeo: Paul Tracy - O Sr. Apronta Tudo)
A última etapa da temporada 2011 da Indy foi em Las Vegas, no dia 16 de outubro de 2011. Como já tinha madrugado para assistir o Grande Prêmio da Coreia do Sul de Fórmula 1, fui ao cinema a tarde com a namorada e não assisti a prova da Indy. O filme acabou e decidimos jantar, o que atrasou ainda mais o meu retorno para casa. Quando finalmente cheguei, às 23h, liguei o computador e acessei o site Grande Prêmio. O título da notícia em destaque era "Após acidente grave, Dan Wheldon não resiste e morre na F-Indy". Cliquei no link e perplexo, li e reli várias vezes a matéria, enquanto as lágrimas não paravam de escorrer pelo meu rosto. Dan Wheldon era o meu piloto favorito da geração 2000. Foi campeão da Indy em 2005 e também venceu as 500 Milhas de Indianápolis no mesmo ano, fato que se repetiu em 2011.
Foi a primeira vez que a morte de um piloto me abalou. Paul Tracy, também envolvido no grave acidente que vitimou Dan Wheldon, decidiu se aposentar após a trágica corrida.
Além de Paul Tracy e Dan Wheldon, também torcia na Indy pro Jimmy Vasser, Dario Franchitti, e Adrián Fernández.
Mas a Indy voltou a me alegrar no início deste ano, com a notícia de que o Jacques Villeneuve disputaria as 500 Milhas de Indianápolis, após 19 anos de sua última participação na prova.
Havia 8 anos que Jacques não competia numa categoria de monoposto, por isso nem criei muitas expectativas.
Mas o dia chegou, foi no último domingo, e repeti todo o ritual que fazia na década de 1990, trancando a porta do quarto, fechando as cortinas e desativando qualquer aparelho telefônico que pudesse me atrapalhar durante a corrida. Ele largou na 27ª posição, lembrando que 27 é o número eternizado no automobilismo pelo pai dele, Gilles Villeneuve, e que foi utilizado também por Jacques na Indy e em outras categorias. A TV americana quase não mostrou o Villeneuve durante a corrida, pois a briga no pelotão da frente estava muito boa. Após um pouco mais de três horas de prova, o vencedor das 500 Milhas Indianápolis de 1995 cruzava a linha de chegada na 14ª posição. Um bom resultado para quem estava longe da categoria havia quase duas décadas. Jacques já está com 43 anos, e essa pode ter sido a última oportunidade de vê-lo pilotar numa categoria de ponta.
Obrigado, Jacques Villeneuve!
PS: Não posso falar do início da minha paixão pelo automobilismo na década de 1990 e sem citar o piloto da Fórmula Truck Eduardo Fráguas, o "Mad Macarrão". Um caminhoneiro doido que utilizou as economias para comprar um Volvo 1987 e prepará-lo sem nenhum apoio para a temporada de estreia da categoria, em 1996. A paixão dele pelo esporte ficava explícita na forma de pilotar. Um piloto brasileiro com o espírito canadense, uma mistura de Gilles Villeneuve com Paul Tracy. Inesquecível o pega com o Luiz Lanzoni pela nona posição no circuito de Guaporé. (Vídeo: Show do Mad Macarrão em Guaporé)
Não há adjetivos para classificar a experiência transcendental que foi o show do Soundgarden ontem.
Apenas comprovei de perto o que defendo há anos: Soundgarden é a melhor banda de rock dos últimos 30 anos.
A banda me entorpeceu durante 90 minutos: cantei de olhos fechados com as mãos erguidas para o céu, toquei instrumentos imaginários e gritei frases desconexas até ficar sem voz.
Quando o show terminou e o momento de transe passou, fui embora deixando estático na frente do palco o que ainda restava da minha adolescência, de all star e camisa xadrez.
Finalmente completei a lista de shows dos meus artistas preferidos:
1 - Soundgarden (2014)
2 - Pearl Jam (2005 e 2011)
3 - Stone Temple Pilots (2010 e 2011)
4 - Oasis (2001 e 2009)
5 - Faith no More (2009 e 2011)
6 - Alice in Chains (2011)
Valeu cada dia de espera nos últimos 18 anos.
Obrigado, Soundgarden!
PS: É de se estranhar que o texto sobre show da minha seja tão curto, mas não tenho a mínima chance de fazer uma análise fria e imparcial do que foi a apresentação da banda no Lollapalooza Brasil. Deixo esse papel para o meu amigo Marcos Bragatto, do site Rock em Geral
Nas últimas duas décadas, vi muitas pessoas negando que um dia foram fãs do Nirvana, mas nunca entendi o motivo.
Eu tinha 10 anos em 5 de abril de 1994, mas sabia que a música perdia um grande artista naquele dia.
Foi após ouvir a música "Lithium", que tive certeza que o rock seria a trilha sonora da minha vida.
Quando o Nirvana apareceu com a guitarra desafinada, letras escatológicas e roupas dignas de moradores de rua, o cenário do rock mundial estava tomado por homens de cabelos longos bem tratados, olhos pintados, roupas de couro apertadas e solos para todos os lados. Na mesma Seattle onde surgiu o Nirvana, o Chris Cornell cantava no Soundgarden usando argolas enormes nas orelhas até 1990. Já Jeff Ament e Stone Gossard, fundadores do Pearl Jam, tocavam no Green River com roupas parecidas com as dos integrantes do Skid Row.
No Brasil, a juventude estava decepcionada e descrente. Após passar boa parte da década de 1980 cantando hinos contra a ditadura, o primeiro presidente eleito foi o Fernando Collor. O Titãs não perdeu tempo e conseguiu capturar toda a vibração rebelde vinda de Seattle no ótimo álbum "Tudo Ao Mesmo Tempo Agora", lançado em 1991.
No início da década de 1990, a juventude queria sair dos padrões, gritar sem se preocupar em passar mensagens. Era uma forma de descarrego, colocando para fora toda a fúria acumulada desde o final da década de 1960, quando a juventude tinha expressado suas ideias através da música pela última vez.
Melhor registro em vídeo já divulgado de um show do Nirvana
Poucas vezes um movimento musical foi tão legítimo e influente como o grunge, e o Kurt Cobain foi o principal responsável por isso.
Se estivesse vivo, não sei se a angústia causada pela fama e os vícios deixariam o Kurt ter feito algo relevante após 1994. Mas ele merecia ter vivido mais para presenciar sua influência nas gerações seguintes do rock.
Alguns só lembram do cara que era viciado em heroína, que mostrou o pênis na TV a durante a transmissão do Hollywood Rock.
Eu lembrarei para sempre como a principal voz da minha geração!
Uniformizado de roqueiro num Natal da década de 1990
PS: O movimento grunge ficou mundialmente conhecido através
de 4 bandas: Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains. Depois de 8
anos da morte de Kurt Cobain, outro problemático vocalista da era grunge morreu por causa de problemas
com drogas, o sombrio Layne Staley, do Alice in Chains. O corpo dele foi
encontrado por policiais no seu próprio apartamento já entrando em estado de
decomposição, no dia 19 de abril de 2002. Após a perícia, os legistas determinaram a data certa da morte do músico. Adivinhem? 5 de abril de 2002.
Éramos apenas dois amigos que se divertiam fazendo paródias em
1996. No início dos anos 2000, foram muitas tardes de composições e planos. Em
2004, o primeiro, único e último show. No ano seguinte, músicas novas, ensaios
e muitas tentativas de encontrar a formação ideal. Em 2006, a última briga (que
não foi a primeira e nem a segunda), e um hiato silencioso de 3 anos.
O Marcelo Pedra me disse uma vez que não se mede um artista
pelo alcance de sua arte. Após receber este conselho, me senti um verdadeiro artista.
Mesmo não cantando bem, tentei por muito tempo ser um ídolo para mim mesmo. E
consegui isso escrevendo boas letras. Mas a insistência de tocar apenas com grandes
amigos, limitou a realização da única vontade que eu tinha na época: tocar por
aí, pra 100, 20 ou 5 pessoas...
Mas desde o início, compartilhei este sonho com o meu melhor
amigo. Eu e Thiago éramos como Bono Vox e The Edge ou Layne Staley e Jerry Cantrell.
Eu ligava avisando que tinha uma letra nova, e ele vinha aqui em casa com o
violão. Eu apresentava a letra tentando explicar como tinha pensado a melodia,
deixava a folha de papel com os rabiscos na frente dele e ia fazer outra coisa.
Quando voltava depois de alguns minutos, muitas das vezes após fazer um café, ele
me surpreendia com a canção mais bacana que poderia ter sido feita com a
minha letra.
Tal sintonia era favorecida por alguns fatores: ele já era meu
melhor amigo havia quase duas décadas, descobrimos a música juntos, nossos
artistas preferidos eram praticamente os mesmos e ele sabia quais eram as
inspirações das minhas letras.
Nunca cogitei participar de qualquer projeto musical sem o Thiago.
Quando comprei a bateria, em abril de 2011, a minha esperança era que um dia eu
conseguiria levá-lo novamente ao estúdio, como guitarrista ou pianista, já que
na época ele tinha trocado as cordas pelas teclas.
Foram 3 anos de tentativas mal sucedidas. A vida de executivo
e pai de família não estava permitindo esse reencontro. Mas até que há duas
semanas, dois dias após o meu aniversário, recebi a seguinte mensagem no
whatsapp: "Marca o estúdio."
O "rock" aconteceu ontem a noite. Ele de volta a
guitarra e eu pela primeira vez tocando bateria num estúdio. Tentamos algumas
músicas, autorais e covers. Mas apenas uma fluiu bem: Plush, do Stone Temple
Pilots. Canção que faz parte do nosso top 3.
Mais do que uma boa desculpa para encontrar o meu melhor
amigo, o ensaio serviu para relembrarmos as divertidas histórias das tardes de
composições, reuniões e ensaios.
Outros grandes amigos participaram do nosso sonho, e voltei
para casa com muita saudade deles. Ventura está morando na Inglaterra,
Claudinho em São Paulo e Gabriel pouco vejo.
A Turbinol fez apenas um show, a Invictus nunca saiu do
papel, mas posso afirmar que nos divertimos mais do que o Rolling Stones em
toda carreira.
Show da Turbinol em outubro de 2004: Thiago, Yuri, eu, Gabriel e Claudinho
Não registramos com imagens o nosso reencontro musical, mas
as bolhas que ficaram nos meus dedos provam que ainda sou um artista.
Eu tinha apenas cinco anos de idade, mas os acordes que entravam pela
janela do apartamento me deixavam agitado. Pedia para minha mãe me levantar
até a janela da área de serviço, para que pudesse assistir os rapazes ensaiando
no terraço da casa de um vizinho. O ano era 1989, e a banda se chamava
"Não". Foi assim durante muitos fins de tardes naquela passagem de
década. Eu já sabia o nome de todos, pois fomos criados na mesma vila. Mesmo eu
sendo em média 13 anos mais novo que os integrantes da banda, com 9 anos de
idade eu já fazia o possível para ficar perto deles após os ensaios, deixando
de lado os amigos da minha idade. Por isso eu não aprendi a jogar bola, soltar
pipa e todas as outras coisas normais para um garoto criado no subúrbio na
década de 1990. Eu só queria saber de música. Mas agora estou falando de 1993,
a banda "Não" mudou o nome para "Piu Piu e Sua Banda". O
Underground carioca estava no auge e o grupo dos meus vizinhos encabeçava esse
movimento ao lado de outras bandas também formadas no subúrbio da cidade:
Gangrena Gasosa, Poindexter, Sountien Xiita, Zumbi do Mato e Sex Noise
Quase que semanalmente eles eram citados nos principais jornais
da época: O Globo e Jornal do Brasil.
Isso era demais para um garoto de 9 anos louco por
música, pois os meus ídolos eram meus vizinhos. E o melhor, sempre fui muito
bem recebido nas reuniões da banda, pois eu ainda não tinha idade para
frequentar os shows. Eles me tratavam como um mascote. Lembro que no dia 10 de
março de 1994, quando completei 10 anos de idade, os rapazes da banda estavam
reunidos na portaria do prédio do Marcelo Pedra (baixista do grupo), e o Piu
Piu (vocalista), me deu parabéns da seguinte forma: "O Grande Pequenino
Tupã está completando uma década hoje". Eu não lembro de um presente que
ganhei nesta data, mas não esqueço essa, que foi a primeira vez que o Piu Piu
me chamou colocando "grande pequenino" antes do meu apelido de
infância. Considerava isso um elogio, pois entendia que ela estava dizendo que
eu era uma criança com atitudes de adulto. Fui chamado de "Grande Pequenino Tupã" por um bom tempo.
O jornalista Leonardo Panço, uma das figuras mais importantes
dessa geração por ter sido guitarrista do Sountien Xiita, dono do selo
Tamborete e autor de fanzines na época e do livro Esporro, descreveu o Piu Piu
e Sua Banda numa publicação recente no site "A Grande Roubada" da
seguinte forma:
"No começo dos anos 90 o rock carioca era um misto de
várias influências, várias bandas diferentes e muitas insanidades cometidas por
jovens inconsequentes e anárquicos. Entre todos os loucos da época, Piu-Piu e
sua banda, representados pela figura de Rogério Weimann, estavam no topo da
cadeia alimentar da doideira. Ganso no palco, fogão, comida, prostitutas,
pessoas peladas, seminuas, canja jogada no 'sagrado' palco do Canecão, gordura
espalhada por todos os lados..." (Leia a matéria na íntegra clicando aqui)
Já o Vital Cavalcante (ex-vocalista do Poindexter, atual do Jason
e o principal responsável por manter viva a memória do underground carioca da
década de 1990 garimpando fitas cassete, VHS, jornais, revistas e fanzines), publicou
na semana passada um texto que resume de forma clara o que aconteceu naquele
período:
"Seis Razões Pra Dar Tudo Errado: Gangrena Gasosa, Piu
Piu e Sua Banda, Poindexter, Soutien Xiita, Sex noise e Zumbi do Mato.
O Rock brasileiro passou por uma grande renovação na
primeira metade dos anos 1990. Mesmo como o estilo fora das atenções da mídia,
centenas de bandas nasciam nas garagens, cenas musicais independentes se
formavam. Os fanzines também vieram com força e faziam o papel que a internet
faz hoje. A recém-nascida MTV instigava toda uma geração.
No Rio de Janeiro não foi diferente. A efervescência musical
era grande: haviam, entre outros estilos, bandas de metal na zona oeste, de
punk e grind na baixada fluminense, de hardcore melódico e indie na zona sul.
Porém, houve um grupo de bandas oriundas dos subúrbios que não se encaixavam em
nenhum dos rótulos acima. Com propostas musicais anárquicas, postura
anti-comercial, apresentações caóticas e niilismo extremo.
Não foi algo combinado: cada uma dessas bandas forjou sua
proposta obtusa sem conhecer as demais. Fruto talvez do inconsciente coletivo.
O destino quis que essas pessoas se reunissem em torno da
casa Garage, na Praça da Bandeira. Talvez por não se encaixarem em outras
cenas, Gangrena Gasosa, Piu Piu e Sua Banda, Poindexter, Soutien Xiita, Sex
noise e Zumbi do Mato dividiram inúmeras vezes o palco da casa de shows, que
foi a mais importante pro rock da época. Quem teve a chance de vivenciar esses dias
nunca vai esquecer das loucuras que aconteciam: despachos voando do palco,
gente pelada, gente pegando fogo, gente bebendo mijo, prostitutas dançarinas,
dentes quebrados - parecia que tudo era possível dentro do Garage.
Existia uma vontade muito grande de "dar certo"
fazendo tudo. A destruição do bom mocismo do rock dos anos 80 parecia ser a
chave dos 90.
A maluquice inerente dessa trupe chamou a atenção da mídia,
e algumas dessas bandas foram em algum momento da década a "aposta da
vez". O problema é que a anarquia e o niilismo não era de fachada. Era
real, era o dia a dia dessa rapaziada. Seria muito difícil
"domesticar" o Saravá Metal do Gangrena Gasosa para as rádios, por
exemplo.
Com o tempo, amizades se formaram e terminaram, músicos
passaram de uma banda pra outra, discos foram gravados, bandas acabaram. Como
ainda era uma época pouco digital, muito dessa cena ficou registrado em mídias
obsoletas como VHS e fitas cassete.
Essa galera tinha o sonho de dar certo fazendo tudo errado.
Pra viver de música, não rolou. Mas o conceito de sucesso é mais profundo que
isso. Lançaram cassetes, LPs, CDs, fizeram videoclipes, inúmeros shows,
influenciaram outros artistas e são lembradas até hoje, mais de 20 anos depois.
Isso sem nenhuma grande corporação por trás. Queriam deixar sua marca, e nisso
foram muito bem sucedidas. Tá de bom tamanho."
Voltando ao meu convívio com o Piu Piu e Sua Banda, eu finalmente fui a um show do grupo em dezembro de 1996, no clube Aspom. Na época o auge do
underground já tinha passado e algumas bandas contemporâneas não existiam mais.
O Piu Piu também já dava indícios que o fim estava próximo, mas como o único CD
da banda só foi lançado em 1997 (ouça aqui), o grupo adiou seus últimos passos. As
músicas "Bob Faz Meinha" e "Vila Mimosa" foram muito executadas
no programa Cidade do Rock, apresentado pela Monika Venerabile na Rádio Cidade.
Ainda em 1997, a banda lançou o clipe da música "Animal-Animais" (assista aqui), que
também foi o único da história do grupo. Mesmo com a cena underground carioca enfraquecida,
o Piu Piu e Sua Banda ainda era citado frequentemente pela mídia especializada.
Na festa de lançamento do clipe, no Hard Rock Café, o cantor Lobão subiu ao
palco para tocar bateria com a banda. O Lobão costumava citar o "Piu Piu e
Sua Banda" como uma aposta, em suas entrevistas na época.
Mas o ano de 1998 chegou e os integrantes da banda não eram
mais os garotos de 20 anos do início da década. E após um show na Fundição
Progresso com a participação do Serginho Serra, guitarrista do Ultraje a Rigor,
a banda anunciou o fim.
o vocalista Rogério Piu Piu havia se casado no ano anterior
e seria a vez do baixista Marcelo Pedra naquele ano. Tavinho Menezes já era
considerado um dos melhores guitarristas do Rio de Janeiro, e estava iniciando
a sua brilhante carreira como músico, acompanhando artistas como Ivan Lins,
Simone, Ritchie e Alexandre Pires. Quatro bateristas se revezaram durante o período
de atividade do grupo: Cléber, Paulinho, Fabio Brasil (hoje no Detonautas) e
Jorge Coimbra. Completava a formação da banda o percussionista e vocal de apoio
Alexandre "Cegão".
Após dois anos, Rogério Piu Piu e Marcelo Pedra voltaram a
fazer músicas juntos. Em 2001 foi o lançado o CD Duodeno da banda Mandril, que
tinha uma proposta totalmente diferente do Piu Piu e Sua Banda. E foi neste período
que deixei de ser o vizinho e fã, para participar do dia-a-dia do grupo, dando
assistência de palco nos shows e cuidando da divulgação do grupo na internet.
Mas o Mandril é uma outra história, que já contei neste blog (leia aqui).
Janeiro de 2014, uma mensagem chega no meu whatsapp sobre um
possível show de retorno do Piu Piu e Sua Banda. Os integrantes do extinto
grupo já estão com mais de 40 anos, e eu bem perto dos 30. Rogério Piu Piu e
Marcelo Pedra estão entre os meus melhores amigos e a diferença de idade já não
existe mais.
O Marcelo Pedra me enviou poucas informações na mensagem:
"O jornalista Ricardo Alexandre está lançando um livro sobre o rock dos
anos 90. Ele convidou o Piu Piu para fazer um show de reunião no festa de
lançamento do livro no Rio. O Rogério Piu Piu aceitou. Agita isso aí!"
O Pedra sempre foi o principal articulador da banda, mas faz
2 anos que ele está morando em Brasília. O pedido dele foi uma ordem. Procurei
o Rogério Piu Piu e logo ele me ofereceu a oportunidade de produzir a banda
neste retorno, após 15 anos do fim do grupo. Outro dois integrantes da formação
clássica da banda aceitaram o convite: o guitarrista Tavinho Menezes e o
baterista Jorge Coimbra. Ficou combinado que o Marcelo Pedra faria apenas uma
participação especial no show, pois ele não teria como vir ao Rio para
participar dos ensaios. Completaram a formação da banda o guitarrista Marcelo
Oliveira e o baixista Vicky Glitter, que já haviam tocado com o Rogério, Pedra
e Tavinho no Mandril.
Mesmo estando entre grandes amigos, encarei o convite como
um desafio profissional. Eles me deram carta branca para produzir
artisticamente o grupo, participando de todas as decisões, desde o repertório
até o tema do show, que foi a exumação da banda.
Foram apenas 3 ensaios e muitas risadas.
O evento do show de retorno no facebook chamou atenção de
jornalistas que cobriram a banda na época e de músicos de bandas contemporâneas.
O que era pra ser uma noite de autógrafos de um livro, transformou-se numa
noite de celebração do auge da cultura underground carioca. Faltando 5 dias
para o show, o jornalista Fabiano Moreira publicou uma matéria sobre o show de
reunião, em uma página inteira no Segundo Caderno do jornal O Globo. (Link da matéria no Segundo Caderno do Globo)
Não
consegui dormir na noite anterior ao show, pois se algo desse errado, o sentimento
de incompetência seria eterno.
Sem ser muito egocêntrico, posso dizer que a apresentação
do Piu Piu e Sua Banda superou todas as expectativas.
Marcelo Oliveira, Vicky Glitter, Marcelo Pedra, Jorge Coimbra, Tavinho Menezes, Ricardo Alexandre, Rogério Piu Piu, Alessandro Alr, Silvio Essinger e Pedro Só
O jornalista Bruno Eduardo, começou assim a matéria que
publicou sobre o show no Portal Rock Press:
"Roubou a cena. Apresentando seu novo livro na cidade –
o ótimo “Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar” – o jornalista Ricardo
Alexandre sabia o risco que estava correndo quando convidou Piu Piu e Sua Banda
para se apresentar no palco do Teatro Eva Herz- localizado no subsolo da Livraria
Cultura (Cinelândia)." (Confira a reportagem inteira no site da Rock Press clicando aqui)
Momento em que o Rogério Piu Piu roubou a cena
Já a equipe do portal La Cumbuba, considerou a festa de
lançamento do livro como a mais divertida noite de 2014 até agora:
"A noite de lançamento no Rio do excelente livro 'Cheguei
Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar', do jornalista Ricardo Alexandre, foi a
mais divertida de 2014 até agora. Tudo graças à Rogério Weimann, o Piu Piu, do
Piu Piu e Sua Banda.
Era para acontecer um pocket show acústico, ao final uma
sessão de autógrafos do livro e durante o show um pequeno debate com Ricardo,
Piu Piu e os jornalistas Pedro Só (Billboard), Silvio Essinger (O Globo) e
Alessandro Alr (Rádio Fluminense).
Mas Piu Piu roubou a cena com as histórias de suas
tresloucadas apresentações no cenário musical alternativo dos anos 90, década e
"cena" que são assunto do livro de Ricardo Alexandre. Se a banda
realmente voltar, tinha que ser dedicado um espaço para que ele relembrasse
sempre essas histórias.
Vestir sardinhas no primeiro festival Humaitá Pra Peixe e
deixar o Espaço Sérgio Porto com cheiro de peixe por semanas; dar uma canja em
show do Gangrena Gasosa e jogar um pote de canja de galinha na plateia;
distribuir acarajés feitos de cocô de cachorro para o público que foi na festa
do programa HellRadio, em Ipanema; fracasso durante uma performance sexual em cima
do palco com moça da Vila Mimosa por culpa do seu "romantismo". Essas
e muitas histórias inacreditáveis (porém reais) fizeram gargalhar o público que
compareceu à Livraria Cultura para o lançamento do livro." (Veja fotos e assista vídeos do show clicando aqui)
Além de reencontrar amigos dos rocks da vida, conheci colegas
de profissão que são referências quando o assunto é música: Ricardo Alexandre
(MSN / autor do livro 'Cheguei bem a tempo de ver o placo desabar'), Silvio Essinger
(O Globo) e Pedro Só (Billboard).
Desde a festa de lançamento do livro, a banda já recebeu
convites para fazer mais shows e uma repórter de uma grande emissora de TV já
mostrou interesse em convidar a banda para ser personagem de uma reportagem
especial sobre a cultura carioca.
Após o show: Tavinho Menezes, Marcelo Pedra, Renato Cantharino e Rogério Piu Piu
Posso afirmar que a banda voltou, mas agora a intenção é só
se divertir entre amigos.
Saí do local do show com a sensação de dever cumprido. E nem
precisava ter me agradecido duas vezes durante o show, pois eu apenas retribuí
tudo o que a banda representa na minha história.
Nos últimos dois meses, alguns amigos fizeram a mesma pergunta:
"Vai no Lolla?" Mas deixei todos sem resposta até agora. O motivo da
pergunta é óbvio, pois o Soundgarden tocará pela primeira vez no Brasil, no último dia do Lollapalooza, que será novamente realizado em Sampa no primeiro fim de semana de abril.
Basta conviver um pouco comigo, para saber que amo o
Soundgarden (Amo sim. Tenho pensado bastante na diferença entre amor e paixão. Cheguei
à conclusão que costumo dizer que sou apaixonado por coisas que na verdade amo.
Então, amo minha família, meus amigos, meus gatos, minha profissão, rádio, Fórmula 1 e música. Essa reflexão vale um post num futuro próximo). É de longe a minha banda preferida, e espero a
oportunidade de assisti-la ao vivo há quase duas décadas.
Tenho tudo que a banda já lançou, incluindo CDs que só foram
lançados no exterior e a limitada e numerada versão Super Deluxe do box Telephantasm,
com vinis coloridos, CDs, DVD, encarte e
pôsteres.
Mas dias após a minha incontrolável alegria pela confirmação
da vinda da banda ao país, uma notícia me deixou confuso: o baterista Matt
Cameron anunciou que ficaria fora da turnê do Soundgarden em 2014 para cumprir compromissos do
lançamento do novo disco do Pearl Jam. Ele começou a tocar no Pearl Jam em
1998, um ano após a separação do Soundgarden. Quando a sua primeira banda
voltou à ativa em 2010, ele tentou conciliar os compromissos dos dois grupos, que estão
entre os maiores da história do rock mundial das últimas duas décadas. Mas após
3 anos, o músico de 51 anos, abriu mão da parte final turnê do Soundgarden.
Matt Cameron disse no comunicado que continua sendo um integrante oficial do
grupo, e que será substituído apenas neste ano.
Assisti dois shows do Peal Jam com o Cameron nas baquetas. Mas
no PJ ele é um ótimo baterista, que poderia ser substituído por outro ótimo
baterista. No Soundgarden ele é único. Ele brinca com o tempo das músicas, é
algo extraordinário.
Esperei tantos anos por esse show, para agora assistir a banda sem
o meu músico favorito. Eu poderia usar diversos adjetivos para justificar minha
decepção, mas apenas duas informações bastam: tenho uma bateria por causa dele
e acho improvável que outro baterista consiga executar razoavelmente as músicas
do Soundgarden.
Matt Cameron é GÊNIO!
Gênios são insubstituíveis. Da mesma forma que o Gilles
Villeneuve não teve substituto na Fórmula 1, Haroldo de Andrade não teve
substituto no rádio e o Edgard Scandurra não pode ser substituído no retorno do
Ira! (motivo para um novo post).
Por que ainda não respondi a pergunta sobre o festival? Mesmo
tendo como vocalista o meu cantor favorito (já foi post do Campo Minado: Leia aqui),
receio voltar de São Paulo com a certeza que as melhores recordações audiovisuais
que tenho da banda estão no YouTube.
Ps: Como ainda não tenho um filho, homenageei meu ídolo dando o nome dele ao meu gato mais novo.
Foi em um 10 de janeiro que rezei o Pai Nosso mais longo da
minha vida. Enquanto rezava segurando a mão direita do meu pai, acompanhei
impotente os batimentos dele diminuírem até o alerta sonoro contínuo do
aparelho, que nunca saiu da minha memória.
Tantas coisas aconteceram nos últimos 5 anos, mas não
preciso contar, né? Sei que o senhor está sempre comigo.
Gostaria de saber a sua opinião sobre as minhas escolhas, os
novos amigos, as namoradas, minha performance como baterista, minha profissão, Fórmula
1, os novos episódios do Chaves... Mas tento imaginar.
Obrigado, paizão!
Dois meses após a morte do papai, eu ingressei na faculdade
de jornalismo. O meu primeiro trabalho foi uma redação. O texto foi uma
homenagem ao Sr. Wanderlaan. Poucas pessoas tiveram acesso a esse texto até
hoje. Acho que só a professora, minha mãe, minha irmã e a colega de
faculdade, com que eu viveria uma paixão universitária ao ponto de morarmos
juntos. A coincidência é que ela faz aniversário no dia 10 de janeiro.
Achei a redação na pasta de trabalhos da faculdade:
BIOGRAFIA DE UM GRANDE HOMEM
Wanderlaan Cantharino nasceu em 13 de
julho de 1938, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Filho de mãe
capixaba e pai italiano.
Ainda criança, sua família mudou-se para
o Rio de Janeiro, onde anos depois prestou serviços ao Exército Brasileiro. Ele
pediu baixa da carreira militar antes de completar 2 anos de serviço. Na sequência,
trabalhou em bancos e gravadoras, mas só se encontrou profissionalmente na
década de 70, quando começou a gerenciar uma clínica na Zona Oeste da cidade. Foi
nesse ramo que o Wanderlaan virou “Wander”, ou apenas “Wawa” para os mais
íntimos.
Foi no final de década de 70, para ser
mais preciso, em 1977, que o Wander fez a escolha mais importante de sua vida:
terminar um casamento de quase uma década para ficar com uma linda moça de 19
anos, que tinha acabado de conhecer na clínica.
Em 21 de setembro de 1978, Wander
casou-se novamente, com a linda moça que tinha conhecido há um ano na sala de
espera da clínica. Em 26 de agosto do ano seguinte nasceu a primeira filha do
casal, uma menina encantadora, de bochechas macias e sorriso fácil.
Ela reinou absoluta até o dia 10 de
março de 1984, dia que Wander realizou o grande sonho de ser pai de um menino.
O tempo foi passando e a Tianinha
virou Tatiana, uma bela mulher, inteligente, caseira e obediente. O Renatinho
transformou-se no Renato, nome escolhido por Wander para homenagear o pastor da
Igreja da qual ele tinha acabado de se converter. Renato era um adolescente
semi-independente, que lutava pelos seus ideais. Quando ouvia Renato relatando animado
as suas aventuras como diretor do grêmio estudantil, vocalista de banda de rock
ou coordenador de Crisma na paróquia do bairro, lembrava com saudade da sua
juventude, quando esteve ao lado de Carlos Lacerda nas manifestações contra o
governo de Getúlio Vargas, ou de quando na mesma época, ditava com os seus
amigos as regras nos arredores do Jardim do Méier, expulsando travestis e ladrões.
Ele sonhava em ver o seu filho militar
e a sua filha advogada. Mas Renato só se interessou por música e rádio, e
resolveu fazer comunicação social, e Tatiana passou na prova para uma faculdade
federal, formou-se em química e começou a dar aulas particulares.
Wander trocou de igreja, agora era um
Presbiteriano, onde em 2005 tornou-se Presbítero. Neste mesmo ano, uma hérnia o
levou para a maca de um hospital. Teria sido uma operação normal e sem risco
como a grande maioria dos procedimentos para retirada de uma hérnia, se ele não
tivesse contraído uma infecção hospitalar, que o manteve internado por 3 meses,
chegando ao nível de alto risco de morte. Mas ainda não era a sua hora, sua
reabilitação em casa foi rápida, repouso e muito amor de sua família foram o tratamento
perfeito para ele.
Em 2006, aos 68 anos, Wander levou mais
um grande susto, ele descobriu estava com câncer na próstata. Ao contrário da
hérnia no ano anterior, a retirada do câncer foi um sucesso, e em poucas
semanas ele já estava levando uma vida normal.
Já aposentado, Wander decidiu que
aquela era a hora de aproveitar a vida, conhecer lugares, realizar sonhos. Ia
sozinho ao Maracanã assistir os jogos do Flamengo, comprou roupas da moda,
voltou para o coral da igreja e ficou muito mais próximo da família.
O ápice dessa fase ocorreu no dia 12
de outubro de 2007, quando Wander resolveu acompanhar o seu filho num passeio
com os amigos em Paquetá. Ele parecia um garoto de 20 anos, fazendo trilha, andando
de quadriciclo e escrevendo o nome dos rapazes ali presentes na parede de um
coreto no centro da ilha.
Nos últimos tempos quando anoitecia,
Wander acomodava-se no sofá da sala, ligava o rádio na JB FM e ficava viajando nas
canções até a hora de dormir. Algumas vezes o seu momento de paz e leveza
espiritual foi interrompido com a chegada de seu filho em casa, cantando,
pedindo janta ou querendo conversar sobre rádio, política ou Fórmula 1. Mas no
fundo Wander esperava ansioso por aquele momento todos os dias, pois
significava que o seu “filhão” estava em casa, são e salvo dos perigos da rua.
Em 2008 Wander realizou um sonho contido
há décadas dentro de si, candidatar-se a vereador pela cidade do Rio de
Janeiro. O número de votos não chegou nem perto dos candidatos eleitos, mas o
prazer para ele era competir, e isso ele fez com muita dignidade.
Um mês depois da eleição, ele foi
chamado pelo hospital para fazer uma cirurgia de correção na bexiga, ele foi
confiante que seria apenas mais uma cirurgia, pois na teoria seria a mais
simples das duas realizadas até então, mas não foi bem assim.
Wander contraiu uma bactéria no
hospital, conhecida como Síndrome de Fournier, foram 56 dias internado sem
reclamar ou questionar a vontade de Deus, 4 idas ao centro cirúrgico, a melhora
surpreendente com previsão de alta no dia 02 de janeiro, seguida por uma piora
repentina do quadro em 06 de janeiro, e o óbito às 18:09 do dia 10 de janeiro
de 2009. Enquanto Renato orava segurando a sua mão direita, crente que presenciaria
um milagre naquele momento, o aparelho que media os batimentos cardíacos
regredia sua contagem, numa tortura que fez daqueles poucos segundos os mais
longos de sua história.
Conforme o seu desejo expresso numa
carta escrita dias antes da internação, seu corpo foi cremado. A família
decidiu jogar as suas cinzas em Paquetá, do alto do mesmo coreto onde ele fez
questão escrever o seu nome, do seu filho e de todos os amigos que presenciaram
em 12 de outubro de 2007, o início da fase mais feliz de sua vida.
Wanderlaan Cantharino faleceu aos 70
anos de idade, porém, foi o tempo suficiente para deixar aos familiares e
amigos exemplos de bondade, caráter, fé e superação.
Com muito orgulho, eu me chamo Renato
da Silva Cantharino, sou o “filhão” do Wander, e cabe a mim agora a
responsabilidade de dar continuidade a família Cantharino, não permitindo
morrer com o papai todos os valores e ensinamentos deixados por ele.
Encerro essa postagem com a canção que o fazia chorar sempre que tocava na rádio. Mas depois daquele 10 de janeiro, nós que choramos de saudade todas as vezes que a escutamos.